Joaquim Antônio

24/04/2019


Crônica

Antônio Pereira de Oliveira

Iguatu de 1943. Numa noite fria de fevereiro, procedente de Fortaleza, com apenas 16 anos de idade, desembarquei na pedra da Estação Ferroviária em Iguatu. Por instantes, cheio de curiosidade e meio atônito, fiquei perdido no vai e vemde pessoas nervosas e irritadiças. Sustinha, pela alça numa das mãos, umapequena maleta, contendo as poucas peças de roupa, que me restavam da vestimenta pessoal. Não foi difícil encontrar o meu pai que me cingiu num abraço caloroso e, juntos, rumamos para Alto da Bonita por um caminho aberto no meio do mata-pasto borrifado pelo orvalho. Uma potente lâmpada elétrica instalada no alto da caixa d’água da Cidao iluminava o perímetro do pátio dessa usina e toda asua vizinhança. O Alto da Bonita foi o portal por onde entrei em Iguatu.

No outro dia, quando acordei verifiquei que a casa, onde meu pai morava, ficava em um pequeno largo ao lado da grande Usina de Beneficiamento de Algodão, próximo ao Hospital de Santo Antônio dos Pobres. Desejando tomar um banho para tirar a poeira do trem, meu velho disse-me:

– Água aqui é coisa rara.

Eu tinha duas opções – pegar uma toalha eum sabonete e dirigir-me à beira do rio a cerca de três quarteirões, ou, mediante paga, servir-me da Casa de Banho do Sr. Joaquim Antônio, bem mais perto.Gravei bem o nome, desse cidadão, pois era a primeira pessoa a quem recorria em busca de préstimos.

A casa do Sr. Joaquim Antônio situava-se em um amplo terreno frente à linha de ferro, em um beco que ia dar à rua do Prado. Podemos dizer que era um modesto sítio, coberto de fruteiras e outras árvores frondosas. A um canto ficava a casa de banho que me garantia conforto e privacidade.

Mas tarde tive ensejo de servir-me novamentedo adjutório do Sr. Joaquim Antônio, pois ele era dono de uma das barbearias da cidade, onde trabalhava com seus filhos José e Francisco. Daí em diante, entreguei os cuidados de minha “juba” ao José, jovem narcisista que vivia sempre impecavelmente trajado, ostentando uma vasta e glamourosa cabeleira.

Outro serviço que me prestou, o Sr. Joaquim Antônio, foi a oportunidade de aprender a andar de bicicleta. Ele tinha um posto de bicicletas para aluguel, mas só atendia a quem já soubesse montar esse veículo. Isso fazia com que, na aprendizagem, euusasse uma tática para superar tal exigência.Pegava a bicicleta e, burlando a vigilância do locador, saía empurrando-a a pé, até chegar a uma rua mais escura, onde, durante minutos, travava uma luta ferrenha para equilibrar-me naquele pequeno transporte de duas rodas. Eram momentos de tombos e machucaduras, pois defendia com o corpo a bicicleta que devia ser devolvida, sem qualquer dano, ao senhorio.

Refletindo sobre tudo isso, em pouco tempo, livrei-me de uma preocupação que me assaltara ao chegar a Iguatu, como ganhar a vida. O Sr. Joaquim Antônio era um exemplo de como abrir caminho, no mercado de trabalho. Tinha criatividade, um modesto Midas, que transformava ao mais simples toque qualquer atividade em dinheiro. Era um homem simples, respeitado e independente,empenhando todas as suas energias para legar a seus pósterosum futuro promissor, modelo em que, naturalmente, muito bem podia espelhar-me.

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