“Seu Toin, o senhor tem arroz? Pois me venda um quilo pra eu pagar no dia 29. Lá em casa tá sem nada”. Sem contar os passos, rapidinho, Antônio Moreno, 59, conhecido por Toin, entregou o produto solicitado pela cliente. Em seguida tratou de anotar na caderneta o nome da pessoa, a data e o produto levado. É assim que ainda funciona a comercialização na bodega do seu Toin, que fica na esquina das ruas Padre Cícero com Otaviano Benevides, no bairro Santo Antônio, na periferia de Iguatu. O endereço é fácil: fica de frente à praça.
Quem passar pelo bairro pode se deparar com esse comércio antigo, de portas estreitas, balcão grande e prateleiras cheias das mais diversas mercadorias. É a mercearia São Francisco, oficialmente como foi ‘batizada’ pelo Chico Moreno, fundador do negócio, há mais de 50 anos, que é tocada pelo Toin, como relembra o filho Edval Moreno, 55. “Meu pai veio do sítio Mirassul para cá, pra cidade. Chegou por aqui em 1945, já tinha nosso irmão mais velho. No total foram 11 filhos. Aqui trabalhou muitos anos na Cidao, foi quando ele perdeu uns dedos não podendo mais ir trabalhar. Aí revolveu abrir esse comércio. Tem mais de 50 anos essa bodega. Só Toin está há 35 anos aqui. Era um comércio pequeno, tinha poucas coisas, mais cereal, rapadura, pão e cachaça. Depois Toin passou a complementar cada vez com mais produtos pra vender”, disse Edval, ressaltando a satisfação de ver o irmão tocar o comércio antigo.
Vende de tudo
Em meio a tantas coisas desde produtos eletrônicos antigos, bolsa, chapéus, chinelos, cintos, entre outros tantos produtos, seu Toin sempre fica do lado de dentro do balcão, enquanto conversar com um, vende para outro. “É bem movimentado. Sempre tem alguma pessoa que passa por aqui, nem que seja, só para uma conversa. Eu acho é bom”, conta, afirmando que somente ele já toca a bodega há 35 anos. “Na época que assumi essa bodega, eu tinha viajado, quando voltei o pai já estava doente. Passei a tomar conta daqui, reabri e ainda hoje estou aqui. Até o dia que Deus quiser”, conta.
Entre uma mercadoria e outra, é possível encontrar alguns objetos de decoração, tem até roupa. A calçada tem parte dela ocupada por vasos com plantas, quadros nas paredes. Ele também vende plantas. Seu Toin passou a fazer artesanato e vender plantas. “Foi na pandemia, resolvi fazer essas coisas. Vende. Pessoal gosta e eu também gosto de fazer. Eu faço tudo só”, ressalta, alegre de poder dar continuidade a uma história deixada pelo pai dele. A bodega funciona das 8h às 22h.
“Uma encruzilhada no centro do mundo”
O Santo Antônio é um bairro cheio de histórias. Inclusive o ponto comercial já foi tema de um minidocumentário feito pelo produtor cultual e músico Michel Prudêncio, ex-vizinho da bodega, nascido e criado no bairro. “Na esquina de Chico Moreno, nesse trecho, já aconteceram muitas coisas. Iguatu é um lugar de transeuntes e o Santo Antônio fica na rota dessas pessoas. O pai deles era um senhor que fornecia os alimentos. Lá era a bodega que vendia figurinhas, pião, raia. Ele mantém isso. Infelizmente, acabou essa lógica de comércio. Hoje em dia tem o mercantil, supermercado, atacadão. E ver uma bodega mesmo, em atividade, é uma coisa importante para a cultura da gente”, afirma Michel Prudêncio.
Em 2019, Michel produziu um minidocumentário contando um pouco da história dessa bodega. “Uma encruzilhada no centro do mundo” é o título dado à peça. “Na esquina de Chico Moreno de tudo se vê e tudo é vivido, essa é uma das mais famosas encruzilhadas do sertão, por aqui passam por mais de um século andarilhos, pagadores de promessas, seresteiros, violeiros, ciganos, esmoléus, mentirosos, palhacistas e muito fuzuê. É a bodega pra se comprar fiado na caderneta, é o armazém que segurou a dura fome dos anos 90 vendendo colher de óleo, pão passado na manteiga, broa, xilito, cachimbo de açúcar, bilas, pião, álbuns de figurinhas, fichas de orelhão e também foi rota dos caixões de anjo que morriam de inanição, padeceu gente de morte morrida e morte matada. Nada melhor que uma lapada de cana pra esquentar as zurêa e um boró de fumo Gavião pra aguentar essa vida agridoce. Um pedaço de meu sertão e uma longa amizade com meu amigo Toin da Bodega”, descreveu Michel Prudêncio, sobre um dos pontos de comércios mais antigos do bairro, satisfeito em ainda ver o ponto que já foi roteiro de suas visitas quando criança.
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