Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
25 de janeiro é tradicionalmente comemorado o aniversário de emancipação da cidade de Iguatu.
Nesse território, que foi primeiramente habitado pelos povos Candandu, Kixelô, Kixariú
(uma parte deles), Kixerariú – ou ainda Kixereu – (uma parte deles), Javô, Kixariú, Akarisú, Kariú e Juká, nas proximidades dos rios Jaguaribe e Truçu, se estabeleceu a Missão da Telha (conforme tratei em matéria publicada na edição nº 1152, de 22 de abril de 2023). Para R. Batista Aragão, no seu livro Iguatu – História (1998), esse seria o “epicentro dessa nascente civilização” em que viviam, não tão harmoniosamente, portugueses, jesuítas, os povos originários e, um pouco mais afrente, o negro escravizado.
A Missão da Telha pode ser entendida ainda como o embrião geográfico desse que foi primeiro reconhecido como Distrito Policial, depois Villa da Telha, cidade da Telha até chegar a se chamar Iguatu. Para se ter uma estimativa do número de pessoas que habitavam o povoado da Telha alguns anos antes da criação do Distrito Policial, Aragão observa um censo realizado pelo Presidente da Província, Martiniano de Alencar, em 1838 mais ou menos, no qual se projeta um quantitativo de 4 mil habitantes.
Data de 1842, a Lei Provincial que criou o Distrito Policial – um passo importante para criação da Villa da Telha, em 1851, através da Resolução nº 553. Ao que parece, foi esse mesmo mecanismo jurídico que lhe rendeu o desmembramento da cidade de Icó e lhe atribuiu um caráter de município, oficializado mediante “Acta de Fundação” somente na data de 25 de janeiro de 1853 (Aragão, 1998, p. 27).
Diferentemente do que nos relata Aragão, o Almanach Administrativo, Estatistico, Mercantil, Industrial e Literaria do Estado do Ceará, na sua edição nº 3, de 1897 (p.113-114), afirma o seguinte: “Creada villa com a denominação de Telha, pela lei n. 595 de 27 de outubro de 1852, foi elevada a cidade pela lei n. 1.612 de 21 de agosto de 1874, com a denominação de Iguatú”. Aqui, não somente a data da fundação da Villa da Telha diverge como também a data e lei que trata da elevação da villa à cidade não condiz com a denominação de “Iguatu”. Para Aragão, a lei nº 1.612, de 21 de agosto de 1874, eleva a villa à cidade ainda com o nome de “Telha”.
Ao que parece, a narrativa presente no Almanach do Estado apresenta incoerências se confrontada ainda com a matéria do jornal Gazeta do Norte, de 17 de outubro de 1883, edição nº 226 (p. 03), no qual anuncia a tramitação do projeto que visa alterar o nome da cidade, conforme se inscreve: “E’ lida, posta em discussão e sem debate approvada e vai a sancção a redacção do projeto n. 2 – deste anno – que declara a comarca e cidade da Telha passar a ter o nome de comarca e cidade de Iguatú”. A data e texto desta matéria se alinha à narrativa de Aragão (1998, p. 30) que complementa: “Instituído sendo Lei nº 2.035, de 20 de outubro de 1883 e provém, tupicamente, de iguá = bacia, enseada, lagoa + katu = bom, boa, saudável, donde se obtém, eliminada a primeira sílaba do segundo elemento, o locativo Iguatu ou lagoa de água saudável”.
Ou seja, anterior ao ano de 1851 o território que compreende a cidade de Iguatu foi Missão da Telha e Povoado da Telha. Entre os anos de 1851 e 1874 Iguatu foi, na verdade, uma villa com a denominação de Telha, mas já desmembrada da cidade de Icó e com características semelhantes à de município. Entre 1874 e 1883 Iguatu foi considerada cidade, mas com a denominação de Telha. E somente a partir de 1883 é que sua denominação foi alterada para o atual nome, Iguatu. Assim, a título de exemplo, nas matérias “1855-61: Indícios de escravidão em Iguatu” (Jornal A Praça, ed. nº 1183, de 25 de novembro de 2023) e “1857: Câmara municipal aprova os artigos de postura da Villa da Telha” (Jornal A Praça, ed. nº 1187, de 23 de dezembro de 2023) tratei de analisar eventos desenrolados na então villa da Telha que já possuía especificidades de município.
Assim, depois desse breve itinerário reflexivo que culminou na fundação da cidade, deixo o leitor com um trecho do documento fundacional da cidade, transcrito por Aragão (1998, p.28):
“Acta de Fundação – “Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oito centos e cinqüenta e trez, aos vinte e cinco dias do mez de janeiro do dito anno, nesta Villa da Telha, Comarca do Icó, Provincia do Ceará, na caza que serve para Sessões da Camara, onde se achava o Presidente da Camara da Villa de Soboeiro, o Tenente Coronel Manoel da Costa Braga, commigo Secretario Interino da mesma, ao diante nomeado, afim de dar posse a Camara Municipal desta nova Villa, ereta pela Resolução numero quinhentos e cinqüenta e trez, de vinte e sete de novembro de mil oito centos e cinqüenta e um – Numero dezessete Elevando a Povoação da Telha. O Doutor Joaquim de Almeida Rego Presidente da Provincia do Ceará. Faço saber a todos os seus habitantes, que a Assembleia Legislativa Provincial decretou, e eu sanciono a Resolução seguinte: Artigo primeiro. Fica elevada a categoria de Villa a Povoação da Telha, tendo por denominação a mesma da Povoação. Artigo segundo. A criação e transferencia de que tratão os artigos antecedentes, só terão effetividade depois que forem edificadas Cadeia e Caza da Camara. Artigo terceiro. Ficão revogadas as disposições em contrario. Mando, portanto, a todas às autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Resolução pertencer, que a cumprirão e farão cumprir tão inteiramente como nella se contem. O Secretário da Provincia a faça imprimir, publicar e correr. No Palácio do Governo do Ceará foi sellada e publicada a presente Resolução em 27 de novembro de 1851 – Manoel de Paula Barros – Secretario Interino do Governo. […]”
Como se pode notar, o marco comemorativo de aniversário da cidade se dá por meio da “Acta de fundação” e não da Resolução publicada em 27 de novembro. Vale destacar ainda que a categoria de Villa, dotada com características municipais, somente se efetivaria após a construção da Cadeia e “Caza da Camara”. Assim, 25 de janeiro se tornou o marco que reuniu os esforços municipais necessários para a consolidação da cidade.
0 comentários