Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Quero aproveitar o marco do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para relembrar alguns episódios a respeito da vida das pessoas negras, habitantes da “villa da Telha” em meados das décadas 1850-60.
Para o historiador R. Batista Aragão (1998), no seu livro “Iguatu – História”, Iguatu não teve muito o que comemorar com o 13 de maio de 1888, pois os quantitativos de escravos na cidade “não mereceram registro” (p. 158). E ele continua: “se existiam, conforme o óbvio indica, seria como rótulo de pujança senhorial, visto como o status burguês media-se pelo número de escravos” (idem).
Para Aragão, as pessoas negras em situação de escravidão em Iguatu “viviam sem algemas, longe das senzalas e livres da marca patronal […] Faziam parte da domesticidade senhorial, ora como lenhador, ora como aguadeiro”. E conclui: “se tantos pendores foram atribuídos aos pioneiros da Libertação Negra, que Iguatu se mantenha no seu anonimato, sem ter o que comemorar em termos sociais de redenção humana” (p. 159).
O referido historiador parece se utilizar de uma régua para medir o nível de sofrimento dos escravos que, se não condiz com a violência aplicada nas senzalas de Pernambuco ou nos cafezais de São Paulo, não parece digno de se lembrar. Essa linha de raciocínio de Aragão parece se apoiar no pensamento de Gilberto Freyre, intelectual que pregou a ideia de uma escravidão em geral harmoniosa, no Brasil. Para João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, organizadores do livro “Liberdade por um fio – história dos quilombos no Brasil” (2012), “onde houve escravidão houve resistência. e de vários tipos” (p. 9).
E acrescento: onde houve escravidão houve violência. Pois tratar como pessoas que faziam parte da “domesticidade senhorial” foi justamente o argumento que fez perdurar a escravidão mesmo quando ela não deveria mais existir. Foi da “domesticidade senhorial” que se passou para um “quase membro da família” ou “adotado”, sem que realmente tivessem os mesmos direitos e acessos aos bens da família.
Ainda que não sofressem violências semelhantes às da senzala pernambucana, outras formas de violência existiam. A violência “doméstica”, talvez menosprezada, a violência da privação de liberdade, a violência de não ser remunerado por seu trabalho e outras violências mais que os documentos não nos deixaram vestígios (ao menos até a presente pesquisa).
Apesar das matérias de jornais não tratarem diretamente sobre os escravos, elenco algumas em que eles aparecem citados ou envolvidos nas situações de seus senhores. O jornal Pedro II, nas suas edições nº 1495 e 1746, de 1855 e 1857 respectivamente, inscreve o nome “escravo” no documento de aprovação dos “artigos de postura da comarca municipal da villa da Telha”. No primeiro texto, artigo 5º da lei, consta o seguinte:
“Art. 5º Todo aquelle que de qualquer modo deteriorar as arvores plantadas no referido largo [d’Aurora], soffrerá á multa de dez mil réis, ou oito dias de prisão, e a reincidencia o duplo, e se a deterioração fôr occasionada por filho familia, famulo, ou escravo, soffrerá a mesma multa seus pais, amos, ou senhores, os quaes ficão todavia exonerados della, si castigarem ao infractor, uma vez que conste ao fiscal.” [grifo próprio]
No jornal seguinte, agora artigo 9º dos artigos de postura que apresenta nova redação, se inscreve:
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