Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Na matéria da quinzena passada destaquei o trecho do documento presente na seção religiosa do jornal Gazeta do Norte, datada de 17 de setembro de 1888, escrita pelo correspondente Jacob Weyne Barros. Personagem bastante atuante, Jacob W. Barros era “professor público” na cidade de Iguatu em processo de aposentadoria à época, advogado e correspondente para o referido jornal comunicando não apenas notícias de cunho religioso, mas também geral e de relevância sobre a cidade. Nesta edição, Barros se ocupou em narrar alguns dos principais eventos religiosos ocorridos no primeiro semestre de 1888 em Iguatu, encerrando seu relato com o fim do novenário de Senhora Sant’Ana.
Nesse sentido, o documento traz elementos interessantes para análise. A minuciosa descrição e o cuidado em registrar os nomes das meninas vestidas de anjo para os festejos do mês mariano (maio), bem como do regente da orquestra (o professor Vicente Baptista), parece indicar relativa proximidade de Barros com os sujeitos envolvidos nas comemorações. Ao longo de toda a matéria pode-se observar um tom de exaltação ao ressaltar o “fervor”, zelo e solenidade como características próprias daquela “freguesia”, além da ênfase na figura do então dirigente, Monsenhor Monteiro, e aos seus feitos para com a igreja de Senhora Sant’Ana – as melhorias na estrutura física da igreja, reforma do altar e aquisições de novas imagem, entre outros aspectos, parece destacá-lo dentre os demais líderes religiosos que haviam passado por ali até então. Tais conjecturas podem ser percebidas a partir da análise do discurso de Barros como um todo e nos indícios/rastros da relação próxima entre Monsenhor Monteiro e o Pe. Cícero Romão Batista, ao pontuar sua ausência nos festejos.
Monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro (1847-1912) atuou em Iguatu no período de 1884 a 1889 e recebeu o título de Monsenhor no ano de 1886, concedido pelo bispo D. Joaquim José Vieira, na ocasião dos festejos pela conclusão e “sagração” da Matriz de Senhora Sant’Ana. De acordo com a dissertação de Edianne dos Santos Nobre (2010), O Teatro de Deus: A construção do espaço sagrado de Juazeiro a partir de narrativas femininas, Monsenhor Monteiro nasceu no Crato e se tornou sacerdote no mesmo período que o Pe. Cícero, teve curta estada em Iguatu e retornou logo em seguida para o Crato para assumir a direção do Seminário São José. A título de informação, Monsenhor Monteiro foi também a pessoa que alegou ter testemunhado o que ficou conhecido como o “milagre da Hóstia” (o sangue que brotava das hóstias consumidas por Maria de Araújo ficou ainda conhecido como “Sangue Precioso”) e se tornou o precursor das romarias para o Juazeiro ao reunir cerca de 3 mil pessoas interessadas em assistir ao momento.
Como se pode perceber, Monsenhor Monteiro foi nome importante na história da igreja católica de Iguatu, que esteve presente e atuante em alguns dos momentos mais marcantes e deixou, para além da narrativa escrita por Jacob W. Barros, relatório detalhado de seu trabalho no quesito administração e investimento dos recursos da igreja, publicado no jornal Pedro II, em 19 de maio de 1889, quando do seu retorno para o Crato. Na presente publicação, escrita pelo próprio Monsenhor Monteiro, consta o seguinte relatório:
“A PEDIDO
Heroismo da cidade de Iguatú.
Dispensando no dia 14 de Maio da parochia de Iguatú e nomeado Reitor do Seminario de S. José da cidade do Crato no dia 15 do mesmo mez pelo Exm. e Rvm. Sr. Bispo Diocensano e tendo assim de deixar com muita saudade os meus bons amigos habitantes de uma das mais bellas cidades sertanejas do sul da provincia, sinto o agradavel dever, para honra dos generosos Iguatuenses epara edificação d’esta provincia, de dar conta de minha administração na parte referente aos trabalhos da nova matriz.
Decorridos 4 annos, 6 mezes e 15 dias, de minha entrada na parochia ao dia de minha exoneração, n’este pequeno espaço de tempo deu este bom povo a prova a mas cabal e a mais consoladora de sua grande fé, de seu amor á Religião, de seu zelo ardente pela casa do Senhor, dispendendo com a nova matriz uma avultada quantia como se vê abaixo:
Matriz, capella do S. Sacramento e alfaias … 15:021$405
Imagem do S. S. Coração de Jesus e altar por intermedio da respectiva associação … 4201$234
Imagem do S.S. Coração de Maria e altar por intermedio da respectiva associação … 474$576
Imagem de N.S. das Dores e altar por intermedio da respectiva associação …151$700
Imagem de S. Vicente de Paula por intermedio da respectiva conferencia … 60$000
16:128$915
Fortaleza, 16 de maio de 1889
Monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro” *
Das imagens adquiridas durante sua estadia em Iguatu, todas ainda se encontram presentes na Igreja de Senhora Sant’Ana. Vindas de Portugal, conforme visto na narrativa de Barros, neste relatório feito pelo próprio Monsenhor Monteiro encontram-se detalhados os gastos tidos com reformas e a aquisição de cada uma das imagens, em réis, moeda utilizada em fins do Império. Numa tentativa de conversão aproximada para a moeda corrente, com o auxílio da Numismática, a imagem de S. S. Coração de Maria, uma das mais caras, corresponderia aproximadamente a 11.864,40 reais. Juntamente com a reforma e as aquisições das imagens o valor total de 16:128$915 seria um investimento de R$ 403.222,88 aproximadamente. É importante ressaltar, no entanto, que a compreensão econômica de um e outro período, relacionados à inflação e circulação monetária pelo território brasileiro, são distintas, e mesmo com o cálculo de conversão caberia ainda um estudo mais detalhado. Uma vez que a moeda circulava tendo como base o ouro, o site Diniz Numismática destaca que 9 gramas de ouro equivaliam a 10$000 réis, em 1889 – o mesmo site apresenta uma tabela de conversão tomada como referência aqui.
*Mantida a grafia original
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