Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Os últimos anos do século XIX foram marcados por diversas agitações políticas na história do Brasil. Alguns desses eventos – que não contou diretamente com a participação ativa e consciente das camadas populares – criaram rupturas que causaram transformações sociais, culturais e mesmo ideológicas.
Hoje destaco o evento que ficou conhecido pela data 15 de novembro, da Proclamação da República. Esse que foi um movimento anunciado por alguns militares da base hierárquica deixou de lado, inclusive, muitos dos civis republicanos e se tornou um momento chave na tentativa de compreender a atuação política dos militares ao longo da história do Brasil. Com a participação da dita “mocidade militar” que estudava na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e impulsionados pelas ideias positivistas ensinadas pelo tenente-coronel e professor de matemática Benjamin Constant, a dita “proclamação” não contou com ampla adesão do topo hierárquico. A exceção foi apenas o general Deodoro da Fonseca, conforme texto presente no site cpdoc.fgv.br, que traz uma breve e interessante reflexão sobre a referida data.
Apesar da distância geográfica entre Iguatu e a capital do Brasil (à época Rio de Janeiro), num momento em que as notícias ainda não chegavam completamente por vias férreas, os ideais republicanos logo se manifestaram na forma de um “Club Republicano do Município de Iguatú”. Chama atenção a rapidez das notícias, bem como sua articulação e consolidação através do referido clube. Fundado em 30 de dezembro de 1889, conforme ata publicado nos jornais Gazeta do Norte, em 28 de janeiro de 1890, e no Cearense, em 30 de janeiro de 1890, o “Club Republicano do Município de Iguatú” surgiu a pouco mais de um mês da Proclamação da República.
Dentre os membros do “Club Republicano do Município de Iguatu” estavam Belisário Cícero Alexandrino (presidente), Francisco Alves Cariolano (primeiro vice-presidente), Antônio Ferreira Lima (segundo vice-presidente), Francisco Alves Teixeira (primeiro secretário), João Cardoso Moreno (segundo secretário), Jacob Weyne Bellino Barros (orador), Severino Cavalcante de Albuquerque (tesoureiro) e diretores, num total de 152 pessoas. Cabe mencionar, com algum incômodo, a completa ausência de mulheres dentre aquelas assinaturas presentes na ata.
Na transcrição da ata de fundação do “Club Republicano do Municipio de Iguatú” do jornal Cearense, edição nº 24, pode-se ler, conforme trecho do documento abaixo:
“Acta da acclamação e installação do Club Repulicano do Municipio de Iguatú.
Aos vinte e seis dias do mez de Dezembro do anno de mil oitocentos oitenta e nove, primeiro da Republica, na casa de residencia do cidadão Manoel Cardoso Moreno, ás doze horas da manhã, n’esta cidade do Iguatú do Estado Livre do Ceará da Federação Brazileira, reunidas diversas classes sociaes sem distincção de partidos politicos, convocadas previa e mutuamente, somente sob inspiração de ardente patriotismo, depois de haver orado alguns cidadãos expondo o acontecimento do dia quinze de Novembro ultimo que operou a mutação do regimen de Governo inaugurando-se assim o systema da Republica Federal dos Estados Unidos do Brazil a cujo Governo todos os funcionarios publicos e pessoas de representação de todas as classes adheriram, pelo povo foi resolvido se acclamasse n’este Municipio um Club Republicano que represente o seu sentimento de adhesão e fidelidade a causa da Republica, cooperando no engrandecimento da Patria, prosperidade e progresso da Confederação Brazileira. […]”
Alguns aspectos chamam atenção, tais como: a não distinção de classe social e de partidos políticos, o “ardente patriotismo” ou a adesão do povo. Tal narrativa, também embebida pelos ideais positivistas, se encontra bastante sintonizada com os discursos oficiais do momento. Mas, apesar do documento falar em adesão do povo, o que se observa ao longo dessa lista de assinaturas são nomes de políticos, donos de comércios, advogados – um demonstrativo social que se coloca como porta-voz do povo.
Seu presidente, Belisário Cícero Alexandrino (que já mencionei em matéria anterior) era figura política atuante quando da criação do clube. Personalidade ambígua, esteve à frente das ações de socorro público durante as secas do final do século XIX e se envolveu em diversas denúncias de desvios de verbas. Através dos jornais do período é possível sentir as trocas de farpas e acusações entre o referido político e seus inimigos, num conjunto de matérias interessantes e que serão analisadas aqui em momento oportuno. Por hora, é importante destacar que sua presença no clube, na condição de presidente, parece possuir intencionalidade e se alinhar com seus interesses políticos.
A documentação analisada até o momento não possibilitou precisar o período de atuação do “Club Republicano”. Mas é certo que a data de 15 de novembro entrou para o calendário de festejos da cidade, como se pode observar numa matéria do jornal A Republica, dois anos depois, de 23 de novembro de 1892, edição nº 181. O clube promotor, agora “Club Iguatúense”, dá indícios da curta duração do Club Republicano, que talvez não existisse mais enquanto coletivo inicial presente na primeira ata. Já o coronel Belisário, que também aparece envolvido nas comemorações de 1892, permanecia firme na sua trajetória política. Conforme se observa na matéria abaixo transcrita, o povo iguatuense é exaltado por sua atuação cívica.
“Comunicam-nos o seguinte:
“Não passou desapercebida na bella cidade do Iguatú o anniversario do advento da republica brazileira. O memoravel dia 15 de Novembro foi saudado com verdadeiro enthusiasmo por aquelles adiantados filhos do sertão.
Effectivamente só um povo civilisado pode comprehender o alcance de uma dacta sagrada perante os sentimentos civicos.
Deu começo aos festejos uma grande marcha de populares ao despontar d’alvorada. A’s 10 horas da manhã sahiu do commercio uma procissão civica, composta das pessoas mais gradas da cidade, moças, collegiaes, commerciantes e authoridades. Chegados à casa da camara, nosso particular amigo coronel Belisario abriu a sessão commemorativa em que se fizeram ouvir diversos oradores, sendo cantado pelas meninas o himno da liberdade.
A’ noute houve uma animada soirèe.
Parabens ao povo do Iguatú. E’ assim que se cumpre o dever civico. Foi promotor da festa o “Cub Iguatúense”.”
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