Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
A seca tem sido notícia bastante presente nos meios de comunicação nacionais recentemente, ao anunciar os desequilíbrios ambientais sofridos pelas regiões Sul e Sudeste do país. Diferentemente das manchetes observadas ao longo dos séculos XIX e XX, quando a região Nordeste sofria de tempos em tempos com fortes estiagens que exigiam ações urgentes e efetivas por parte do poder público. Nesse cenário, o início do ano era/é, para os iguatuenses e especialmente os agricultores, tempo de expectativas e orações.
Remontam ao século XIX os diversos pedidos de “soccoropublico”, provindos das várias cidades do interior do Ceará, e mesmo dos estados vizinhos, tanto nos discursos dos políticos junto ao Distrito Federal (à época, Rio de Janeiro) quanto por parte da população, manifestadas na forma das matérias jornalísticas. Os períodos de estiagem vividos entre 1877-79 e 1888-90 são citados com frequência pelos jornais estaduais Pedro II, A República e Gazeta do Norte, todos disponíveis na hemeroteca digital no site da Biblioteca Nacional. Provém do Gazeta do Norte as narrativas mais detalhadas e comoventes sofridas pelos iguatuenses e regiões vizinhas, que relatam desde a insegurança alimentar vivida por aproximadamente 15 mil pessoas (Gazeta do Norte, 31 de outubro de 1889, edição nº 244) – quando o censo de 1892 registrava apenas 11.933 habitantes na cidade de Iguatú (A Republica, 6 de agosto de 1892, edição nº 93) – às denúncias de desvios, por parte dos políticos locais, das verbas públicas destinadas a compra e distribuição de mantimentos pelos “soccorrospublicos”. Destacamos a matéria publicada no Gazeta do Norte, de 15 de março de 1889, edição nº 59, talvez uma das mais comoventes:
“Escrevem-nos do Iguatú em data de 6 do corrente:
«Aqui deram umas chuvas do 1° ate 5 de fevereiro, sendo essas mesmas tão parciaes e pouco abundantes, que chovia a um quarto de leguafóra da cidade e dentro desta nem pingava ao menos e vice-versa. Ha lugares na comarca onde até hoje ainda não choveu absolutamente.
D’aquella data para cá succedeu um nevoeiro intenso e constante, que parecia querer despejar agua em abundancia; a estas preparações ilusoriassuccedeu, porém, do dia 20 em diante um tempo limpo, um sol abrazador e por conseguinte um calor terrivel: no céo nem uma nuvem, e quando por ventura apparece alguma, desfaz-se em vento. O aracatyapparece algumas vezes como se estivessemos em plena secca.
Vae se tornando desolador o estado desta comarca. Aqui na cidade não tem o que se comer: a carne magra, pouca e cara; os legumes, vão subindo de preço em progressão constante; fructas e legumes verdes não comeremos este anno, porque os que se plantaram com as chuvadas do começo de fevereiro, já estão todos murchos e grande parte devastados pela lagarta.
A creação de gados grossos e miúdos tem soffrido um abalo terrivel. Ha uma familia aqui perto que possúe umas quatrocentas cabeças de gado e destas já tem perdido mais de cem, sem contar ovelhas e cabras.
Ha aqui na cidade, segundo me afirmão, umas trinta familias que comem uma vez por dia e isto mesmo nem sempre.
Nota-se um desanimo aterrador em todos os semblantes. ninguem crê mais em inverno e os prognosticos sobre o caso são para desanimar.
Com mais uns quinze dias de verão e está tudo perdido.
As estradas para essa capital estão intransitavelá falta d’agua e pasto: não ha animal que faça essa viagem que não chegue cançado aqui ou na Canôa.
Em breve nos será tolhida a retirada, esse ultimo recurso do cearense acossado pela secca. Peça providencias ao benefico governo do sr. Caio Prado.»”
Estamos falando de um período em que a viagem para a capital se fazia, ao menos em parte do trajeto, movido por tração animal, que não suportava tamanho deslocamento sob tais condições. Era urgente, portanto, a instalação de um mercado de mantimentos de “soccorropublico” que proporcionasse o consumo de “carne verde” em oposição ao charque – produto que havia causado maior mortalidade na seca anterior, de 1877, talvez pela maneira indevida no seu armazenamento. A urgência na distribuição desses mantimentos era tamanha que o governador da Província, Antônio Caio da Silva Prado, despachou ofício autorizando compras sem cotação, independente do valor, e a contratação de pessoal necessário para auxiliar no trabalho de distribuição – operações comandadas pelo político local Cel. Belisário C. Alexandrino. Apesar das acusações de desvios de verbas inscritas no Gazeta do Norte, parece que o mercado de mantimentos situado na cidade de Iguatu se tornou o maior da região.
Ao longo deste sofrido ano, já no mês de outubro, o governador de Província autorizou ainda o emprego dos “indigentes em trabalhos de utilidade publica” (Gazeta do Norte, 29 de outubro de 1889, edição nº 242), recomendando zelo e empenho na execução das obras com o maior número possível de pessoas. Também no mês seguinte, veio do governo de Província a autorização para a construção de um “açude no logar – Pereiros, distante 2 leguasdaquella cidade” (Gazeta do Norte, 12 de novembro de 1889, edição nº 253).
A feliz notícia de chuva no sertão e do bom inverno, contudo, só foi registrada pelo jornal A Republica, na edição nº 196, de 29 de agosto de 1894, mediante pequena correspondência: “Tudo por aqui vae sem alteração, em completa paz. Depois do rigoroso inverno, temos gostosas manhãs agradabilissimas. Nesta terra onde o thermometrocent[?] no rigor da estação seccaattinge a 36 gráos, tem baixado hoje a 21. Ah! sefôra sempre assim, isto seria um paraiso.”
*Grafia original mantida
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