Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
“No dia 13 de junho, o Hospital Sto. Antonio esteve em festa”, assim iniciava a matéria do jornal Tribuna de Iguatu (ed. nº 4), de 18 de junho de 1954, quando das comemorações do 30º aniversário do hospital. A matéria anunciava “Aniversaria o HOSPITAL” e trazia detalhes das ações realizadas durante os festejos.
O Hospital Santo Antônio dos Pobres foi descrito por Hugo Victor, no seu livro sobre O
Município e a cidade de Iguatu, de 1925. Além desses documentos, recorro aos historiadores R. Batista Aragão (1998), Wilson Holanda Lima Verde (2011) e Gardevânia Farias (2011), a Biblioteca do IBGE e ao site saude.ce.gov, para relembrar alguns importantes momentos desse projeto que ganhou vida 100 anos atrás e ao longo desse tempo precisou se reinventar. A inauguração do Hospital, pedra fundamental empreendida e lançada pelo Dr. Manoel Carlos de Gouvêa há 100 anos, foi também o “primeiro empreendimento da espécie a ser criado no interior do Estado”, conforme esclarece o historiador Wilson Holanda Lima Verde. Dr. Manoel Carlos de Gouvêa era natural de Sergipe e se mudou para Iguatu no ano de 1920, para trabalhar na R.V.C (Rede de Viação Cearense), de acordo com R. Batista Aragão. Recém-formado no curso de Medicina, na Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. Gouvêa montou consultório na antiga Farmácia Central, “granjeando grande prestígio em meio a população local, especialmente da parte das classes menos favorecidas, a quem sempre dispensou uma boa e constante atenção” (Lima Verde, ano, p. 254).
Estabelecido em Iguatu, sua ideia de construir um hospital começou a ser germinada em 1923, como relata Hugo Victor. Ciente das dificuldades, Dr. Gouvêa apelou para o Presidente do Estado (atual cargo de Governador), à época Sr. Ildefonso Albano, solicitando apoio financeiro. A partir da resposta do Presidente do Estado, “pedindo informações e prometendo auxílio monetário”, a população local também se manifestou e uniu esforços junto ao Dr. Gouvêa. Assim, nas palavras de Hugo Victor (1925, p. 104):
“Esse telegrama veio despertar novas energias, constituindo-se logo uma comissão central, subscrevendo-se entre os capitalistas locais, 8:708$500, adquirindo-se ótimo terreno, com 500×250 palmos, e estava então, vencedora a idéia de que se fez grande paladino o Dr. Gouvêa, verdadeiro executor da maravilhosa obra, em via de conclusão, cuja pedra fundamental foi solenemente benzida e assentada a 13 de junho de 1924.
O governo Ildefonso Albano contribuiu realmente com o auxílio de 20:000$000, em moeda, e o Ministro da Viação, Dr. Francisco Sá fez doação de 2.000 sacos de cimento, de 45 quilos e 35 metros cúbicos de madeira, além doutros pequenos donativos.
O Hospital de 103 metros, 10 de comprimento, tem já concluída, sob a direção do mestre José Acácio Varela Barca, a parte principal e mais custosa – administração – com 28 m 10 x 11m 70, tendo acomodações para pensionistas, laboratório, farmácia, gabinete do diretor, secretaria e capela; a grande enfermaria Oswaldo Cruz, para homens, com 26 m 60 x 6m 70, para trinta leitos, e a sala das operações, à extremidade direita, com 5 x 3m 20, faltando construir para a esquerda justamente outro tanto.
Possui mais outra fachada com 7m 40×10,60, para depósito, sala de operados, sala de moribundos, sala de curativos, banheiros, vestiários, arsenal cirúrgico e esterilização.
Isoladas por pátio e jardim, há as dependências e copas, refeições, cozinhas, lavatórios, dispensas, banheiros e W.C., tudo por concluir.
As fundações são todas de pedra e cal, de 1m x 0,60, estando prontos 350 metros cúbicos, e as paredes construídas de argamassa na proporção de 2 partes de barro, 1 de cimento, 6 de areia.
Para a construção do Hospital, foi apresentado a Assembléia Legislativa, pelo Deputado Dr. César Cals, o projeto Nº 65, autorizando o governo o auxilio anualmente com a importância de 10:000$000.”
Por meio das palavras de Hugo Victor é possível perceber a união de esforços físicos e monetários de iguatuense, políticos locais e estaduais, para sua concretização. Sua descrição é interessante tanto para tentar compreender um pouco da história da medicina em nossa cidade, como ainda observar as transformações que sua estrutura física sofreu ao longo do tempo.
De acordo com Lima Verde, a inauguração do primeiro pavimento do Hospital Santo Antônio dos Pobres se deu em 1931, “passando, ali, a dar uma imensa assistência às camadas menos favorecidas da população” (p.255). O Hospital, e Dr. Gouvêa, recebeu ainda a visita do então Presidente da República Getúlio Vargas, no ano de 1933, quando de sua visita a cidade de Iguatu.
A fotógrafa e historiadora Gardevânia Farias, no seu livro O Conciso Inventário do Patrimônio Histórico e Arquitetônico de Iguatu observa que esse “prédio de extraordinária beleza estrutural”, localizado no Bairro Santo Antônio, é “um lugar de privilegiada vista bonita da cidade, por isso que foi denominado popularmente de: Alto da Bonita” (p.22) No seu 30º aniversário, o Tribuna de Iguatu assim descreve os festejos que contou, inclusive, com uma missa realizada na capela do Hospital, no dia 13 de junho de 1954, às 7h:
“As 15 horas teve um show na enfermaria o qual foi levado a efeito por um grupo de rapazes e moças de nossa sociedade, agradando vivamente a quantos ali estiveram presentes. A irradiação estava a cargo do locutor Antonio Cavalcante e a direção artistica deveu-se ao jovem Carlos Cezar, radialista de convicção e por sinal o az do saxofone em nossa terra. Foi uma data deveras significativa para o nosso povo e não era possível que a mesma passasse sem ser comemorada condignamente uma vez que o Hospital Santo Antonio é uma obra verdadeiramente digna de nossos aplausos, quer pelos relevantes serviços que presta ao povo de modo geral e especialmente à pobreza iguatuense […], quer pela importancia daquela casa que é sem favor uma das mais bem aparelhadas do interior do Estado […].”
Em matéria publicada pelo saude.ce.gov, sobre a reforma e restauração do prédio para abrigar a 18ª Coordenadoria Regional de Saúde, consta que o Hospital funcionou até 1999 como uma instituição filantrópica e depois passou para a administração de um grupo de médicos que foi gradativamente desativando seus serviços por conta do acúmulo de dívidas. Em 2007, com o Hospital não mais funcionando, o Governo do Estado o desapropriou, reformou e restaurou sua fachada, com um investimento de 2.943.642,42 provindos do Tesouro do Estado e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Aos cuidados do governo estadual, esse prédio quase centenário sobreviveu e resistiu à destruição, da qual muitos patrimônios históricos de nossa cidade sucumbiram.
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