1936-37: vestígios do Núcleo Integralista em Iguatu

14/09/2024

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

O Brasil, assim como o Ceará e o Iguatu, viu surgir na década de 1930 um movimento político de tendências nazistas e fascistas que se dizia inteiramente brasileiro. A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi fundada em 1932 com o lançamento do Manifesto de Outubro pelo jornalista Plínio Salgado (conforme matéria no site Brasil Escola).

Caracterizado como um movimento nacionalista, de caráter cristão e autoritário, a AIB tinha como lema “Deus, pátria e família” e pregava a “harmonia” e “unidade da população brasileira”.

No Ceará, a AIB se expandiu por quase todo o interior do estado e muito rapidamente. De acordo com o historiador João Rameres Regis (2013), no artigo “O integralismo no interior do Ceará (1932-1937): adequações ao jogo político local”, de um total de 66 munícipio (que existia na época), 54 deles possuíam Núcleo Municipal Integralista e mais 7 Núcleos Distritais.

No Iguatu, o chefe do Núcleo Municipal Integralista era Arlindo Gondim e, ao que parece, também existia um Núcleo Distrital, sob a responsabilidade do sr. Antonio Holanda. Por meio das fontes analisadas até o momento não fica claro quando esse Núcleo Municipal e Núcleo Distrital foram inaugurados, mas é sabido que, de acordo com Regis, havia um alinhamento com o movimento nacional ao preencher um cadastro e questionário explicando sobre as forças políticas aliadas e inimigas locais, além das características “físicas e sócio-políticas dos municípios” (p. 9-10).

Assim, duas matérias publicadas no jornal A Razão (uma de 29 de novembro de 1936, ed. 160, e a segunda quando da campanha eleitoral para presidente da República, em 3 de julho de 1937, ed. 326) dão indícios da força integralista pelo interior do estado e, especialmente, no Iguatu. Seguem trechos abaixo:

[Ed. nº 160, de 1936]

“A Bandeira dos Congressistas Nacionalistas que partiu desta capital às primeiras horas do dia 14 do corrente, foi calorosamente aplaudida, embora ligeiramente em quasi todas as localidades à margem da Estrada de Ferro.

Pernoitando em Iguatú, foi ali recebida festivamente na séde do Sindicato Legionário e nucleo local, onde a aguardavam ansiosos os respectivos representantes, realizando-se uma sessão que terminou ás 23 horas sob aplausos delirantes da grande massa que enchia literalmente o salão”

[Ed. nº 326, de 1937]

“Iguatu, 29 (A RAZÃO, retardado) – Iniciámos ontem propaganda candidato do eminente Chefe dr. Plínio Salgado a sucessão presidencial da República, realizando grande comício sendo orador o companheiro dr. Nicanor Gomes e o chefe distrital Antônio Holanda, os quais receberam francos aplausos pela maneira digna como se portaram, demonstrando ao público, composto de correntes políticas locais, a eficiencia do regime integralista, onde repousa, de fato, a grandeza do Brasil de amanhã. Anauê.

Arlindo Moreira

Chefe Municipal”

Essa enorme adesão dos municípios do interior do estado ao integralismo é explicada por João Rameres Regis como uma existência ambígua. Pois antigos chefes locais, de uma política tradicional, incorporaram os discursos “revolucionários” pregados pelos integralistas. Nas palavras do referido autor, “antigos mandatários locais continuavam a figurar no cenário político, mesmo que metamorfoseados de defensores desse novo processo em curso” (p.4). Mas enquanto a campanha ocorria em Iguatu e Brasil afora, no Rio de Janeiro, então capital federal, Getúlio Vargas articulava sua permanência insinuando uma suposta ameaça comunista que precisava ser combatida. Assim, em 10 de novembro de 1937 Vargas fechou o Congresso, suspendeu as eleições, anulou a Constituição de 1934 e colocou os partidos na ilegalidade, incluindo aí a Aliança Integralista Brasileira.

Apesar da ilegalidade, seus valores não foram esquecidos. Como é possível de ser observado no trecho da matéria “O que foi e o que é o integralismo”, escrita por Antonio Barros de França e publicada no jornal iguatuense Tribuna de Iguatu anos depois, em 18 de junho de 1954 (ed. 4):

“[…]

Aí está a pista pela qual terá que andar todo aquele que quizer saber o que foi e o que é o Integralismo.

E quem não andar por ela terá andado pelas pistas que os comunistas indicaram e fará um juízo temerário sobre este brasileiríssimo movimento. traçado dentro dos princípios rigidos do cristianismo. por cujo motivo é tão perseguido pelos mais e tão incompreendido, mesmo pelos que se dizem bons.

E tanto é assim que, no Brasil (e fora dele também) só há duas categorias de pessoas que atacam o Integralismo: 1ª. a dos comunistas e demais materialistas; 2,ª. a dos que não sabem o que é ele. […]

Fica pois patente, mais uma vez?, que o Integralismo foi e continua sendo, o mais nacionalista e o mais cristão de todos os movimentos socio-politicos que já agitaram este país.

O que é lamentável é que, sendo 99% do povo brasileiro católico, interprete tão mal um movimento tão consentaneo com as suas tradições.

Só muita decadencia moral cívica e religiosa levará um povo a agir desta maneira.”

Por fim, destaco alguns elementos para reflexão: 1) as articulações feitas entre os âmbitos municipais, estaduais e federal em prol de um alinhamento que, na prática, parece não ter se configurado em “renovação”, uma vez que os mesmos chefes locais incorporavam o novo discurso; 2) a inserção de valores e princípios (a exemplo do “Deus, pátria e família”) que, quando amplamente divulgados, sobrevivem ainda que seus partidos desapareçam; 3) o apelo à religiosidade católica (instituição que aderiu amplamente ao movimento, inclusive), ao patriotismo e à moral como único caminho para a união do Brasil, em oposição ao comunismo, numa nítida relação maniqueísta e sintomático de uma polarização.

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