1949: o Jornal “Gazeta Iguatuense” e onde estavam (estão) as mulheres?

07/04/2023

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

 

O mês de março findou e, com ele, as diversas “homenagens” às mulheres. É preciso dizer, primeiramente, que algumas dessas “homenagens” mais pareciam depreciar do que homenagear de fato. Depois, é preciso dizer que elas/nós existimos não apenas em março. Agradecemos os elogios, mas também relembramos as dores que esse marco histórico nos traz e, principalmente, refletimos sobre nossa atuação na sociedade. Por isso, perguntamos hoje: onde estão as mulheres?, para também refletir/investigar onde as mulheres iguatuenses estavam em fins do século XIX e ao longo do século XX.

Nessa longa temporalidade, muitas são as ausências de matérias assinadas por elas ou que falem sobre elas (nas fontes que tive acesso até o momento). O que elas faziam ou o que pensavam não parecia ser importante e por muito tempo também não se configurou como história, uma vez que não eram elas as protagonistas dos “grandes feitos” ou “feitos heroicos” – me refiro aqui a uma escrita da história que se produziu em uma determinada época em que os documentos (ditos oficiais) eram vistos como monumentos inquestionáveis, que falavam por si só (como nos lembra o historiador Jacques Le Goff).

De maneira geral, até início da segunda metade do século XX, as mulheres permaneciam reclusas ao âmbito do privado, pois “mulheres de boa família”, as “amélias” como ficaram conhecidas, não podiam ousar sair desacompanhadas ou discutir sobre assuntos públicos como faziam as ditas “levianas”, também invisibilizadas pelas instituições por fugirem à norma vigente (como bem refletiram as historiadoras Michelle Perrot e Mary Del Priore). À exceção, talvez seja apenas os espaços dedicados a tratar sobre educação, pois aí as mulheres podiam ser vistas como mais carinhosas, dotadas de instinto materno e, por isso, mais “jeitosas” com as crianças (assunto que dedicarei matéria específica em momento oportuno). Assim, convido o leitor a observar a parte inferior da primeira página do jornal Gazeta Iguatuense, publicado em 29 de setembro de 1949 (vide imagem). De todos os recortes de jornais iguatuenses publicados ao longo do século XX (Gazeta Iguatuense, Tribuna de Iguatu, O Leão de Iguatu, o Informativo Municipal, De Fato, Telha, Novo Iguatu) e que chegaram até nós graças aos cuidados de preservação do memorialista e historiador Sr. Wilson Holanda Lima Verde, este é um parco exemplo de publicação assinada por uma mulher. A poesia “Iguatù” de Lúcia Maria ocupa o canto inferior esquerdo da página e, ainda que tenha um título destaque, também anuncia para quem se destinava esses escritos, “aos estudantes iguatuenses”. Por quê? Por que se tratava de poesia? Ou por que foi escrita por uma mulher? Para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões, destaco apenas que outras poesias, de autoria de homens, foram publicadas sem qualquer indicação de público receptor de seu conteúdo. Segue, o trecho legível da poesia:

*“Iguatù

De Lúcia Maria, aos estudantes Iguatuenses

 

Cidade feiticeira das areias brancas que

são teu manto de Princeza, em teu

castelo de verdes ameias; cidade, eu te

proclamo a realeza!

Cidade!… A gente pensa que te enleias

ouvindo o coqueiral lá, na devêsa,

bandolinar nos leques quando altéias a

fronte ao vento, olhando à Natureza!

 

Cidade!… Quando a luz cae em desmaios, o

sol transforma os seus ultimos raios

(…)”

Como podemos observar, olhar para o jornal iguatuense de 1949 nos faz refletir não apenas sobre a participação feminina nos periódicos desse período, mas especialmente olhar para o hoje e nos questionarmos: de lá para cá, o quanto mudou? Qual o protagonismo das mulheres nos meios de comunicação em Iguatu hoje?  Ainda nessa ponte com o Iguatu de 1949, podemos nos perguntar: Quem era Lúcia Maria? Estudante? Professora? Escritora? Mãe? Esposa? Dona de casa? Em quais gavetas se escondem os seus escritos? Aproveito a ousadia de Lúcia Maria para provocar e conclamar as diversas escritoras, mulheres iguatuenses – e sei que somos muitas! -, a desengavetar seus textos e ocupar as páginas dos jornais. Porque ninguém será melhor do que nós para falarmos de nós. E não é mimimi, ou politicamente correto, é apenas direito de existir e de ocupar os espaços que quisermos.

*Grafia original mantida.

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