1950: a questão sanitária no perímetro urbano de Iguatu

17/08/2024

Naiara Leonardo Araújo

Já pensou conseguir viajar no tempo e voltar para a Iguatu de 1950? Que cheiros exalavam pela cidade? Quais cores predominavam na arquitetura? Quão funcionais eram as casas? De um lado, os registros fotográficos de palacetes, fábricas e praças deixam antevê uma cidade moderna, de uma “já bem evoluida urbs”, como defendia o jornal Tribuna de Iguatu (ed. 1, de 1 de maio de 1954).

Por outro lado, ruas completamente cobertas por lama fétida, dejetos e urubus convivendo às margens da Lagoa da Bastiana e do Rio Jaguaribe (pontos de onde também provinham a água para consumo), proliferação de ratos e doenças.

Uma e outra perspectiva são abordadas nos jornais Tribuna de Iguatu (local) e O Democrata (estadual), respectivamente.

Assim, consta na matéria d’O Democrata, de 12 de maio de 1950:

“IGUATÚ

Nossa cidade sempre foi de péssimas condições sanitárias não faltando nunca os casos de tipo, paratifo, desinteria e bexiga. Concorrem para esse doentio vários fatores os quais passaremos a enumerar.

FALTA DE APARELHOS SANITÁRIOS

Raríssima é a casa em Iguatu que possui aparelho sanitário e banheiro. Acontece mesmo que nem os prédios públicos como a Prefeitura Municipal, Grupo Escolar, Escola Municipais e Estaduais e Cadeia Publica, possuem instalações sanitárias e muito menos agua para a limpeza e higienização indispensáveis.

Alem disso o lixo da cidade quando não é depositado no leito do rio é posto numa lagoa bem perto, concorrendo, naturalmente, para piorar o índice de higienização da cidade. Nem o mercado Publico escapa. Ali a sugeria é intensa. Nem agua existe para a limpeza. O telhado é um enorme ninho de ratos que se encarregam da prova a carne antes dos consumidores.

AS CHUVAS E A LAMA PODRE

A lama também esta em toda parte como consequência das grandes cheias. Nos Bairros mais afastados o quadro é um só: água estagnada, mosquitos e lama podre.

AGUA

A cidade não dispõe de esgotos. A maioria dos seus habitantes compram agua retirada das cacimbas do rio que, como já dissemos, é um dos depósitos de lixo. Alem disso existe outro fato: é que o rio também é o paraíso dos urubus que ali passam o dia brincando, se alimentando e tomando banho. Eis em resumo, os fatores que determinam seja Iguatu uma cidade de nível de higiene e de saúde tão baixo.

[…]

O PROBLEMA DA SAÚDE DOS SEUS MUNICIPES

E para solucioná-los, deve, inicialmente, possibilitar e exigir a construção de aparelhos sanitários, banheiros e fossas para os edificios públicos e casas residenciais. Em segundo lugar vem o problema inadiável da construção de chafarizes capazes de solucionar o abastecimento de água da população. Atacando esses dois problemas – não temos dúvida em afirmar – estariam sendo atacadas as causas principais do nosso baixo nível de saúde.”

Não bastasse os problemas sanitários e a consequência das inúmeras doenças, soma-se ainda, ao que parece, os boatos, à época, de que Iguatu era uma cidade “tradicionalmente agitada, razão porque os homicidios nela só produziam e reproduziam com frequência” (Tribuna de Iguatu).

A resposta a esses e outros boatos veio através do jornal Tribuna de Iguatu, em matéria escrita por R. Melo, “Desfazendo uma impressão”, somente quatro anos depois, na sua primeira edição, de 1º de maio de 1954. Assim pode-se observar um trecho desta matéria:

“Contrariamente ao que la fora diziam, o que se vê aqui é uma cidade pacata, hospitaleira e progressista, com foros de civilização, bem administrada e invejavelmente policiada, a que não faltam espíritos estóicos, clarividentes e empreendedores […]

Ao bom observador basta um relance para verificar o conceito errôneo em que é tida, por aí fora, a próspera, calma e salubre Iguatu, de gente cativante operosa, boa e que, porisso mesmo, gerando, quiçá, um sentimento de despeito ao de inveja por parte dos demais centros dêles recebe a má fama e a calúnia. […]

Quem, porventura, sem o inconteste perigoso de atentar contra a verdade ou de cometer a mais grave injustiça, poderia negá-lo à luz da razão e dos fatos?! Quem, respondei-me, caros leitor, a não ser um imbecil, cego ou adepto da detratação gratuita, poderia, hoje, qualificar-nos de javardos ou incultos?! É mais ainda: ocultar um desenvolvimento e progresso que entra pelas portas dos olhos de quantos queiram e procurem ver a realidade dos fatos! […]

Qual, no Estado, depois de Fortaleza ou Crato, a cidade mais bem arborizada que a nossa? Em que sede de município sertanejo se vê um jardim mais bem zelado e tão belamente florido quanto o da Praça D. Pedro II? Respondo eu: nem na Princeza do Cariri. Ainda na zona Sul do Estado – a reconhecidamente mais desenvolvida, – não se encontra um Mercado Público que se equipare ao nosso em luxo, beleza, salubridade e higiene. […]”

Essa dupla de matérias dá indícios de que a visão sobre a cidade de Iguatu na época era de um lugar perigoso, cheio de “meruçoca” e extremamente quente – esses elementos a matéria do Tribuna de Iguatu comenta abertamente. Mas ao revidar, tentando desfazer as más impressões sobre a cidade, outros indícios aparecem, a exemplo das suas descrições sobre as praças e o Mercado Público. Vale ressaltar que entre uma e outra matéria tem-se um hiato de 4 anos. Apesar disso, é possível que ambas as descrições se complementem, se não com relação ao mercado público – descrito com um certo exagero pelos olhos do Tribuna de Iguatu -, ao menos com relação à realidade das ruas periféricas, das margens das lagoas e rios, e das casas das pessoas mais humildes.

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