Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Em 25 de março de 1971 o Jornal do Brasil (RJ) noticiou, mediante correspondente de Fortaleza, o roubo da imagem de Nossa Senhora Sant’Ana do altar da Igreja Matriz (Igreja de Senhora Sant’Ana) de Iguatu, ocorrido no mês de fevereiro último.
O pároco da Igreja na ocasião, pe. José Landim, foi surpreendido por Franco Romano (um homem louro), que se dizia artista e restaurador italiano, e, acreditando na sua história, permitiu-o trabalhar na restauração da imagem. Mas, ao se ausentar por um instante, Franco Romano fugiu com a imagem.
As ações do bispo D. Mauro, dos padres e dos fiéis iguatuenses, bem como a ampla divulgação na imprensa de circulação nacional, foram elementos importantes para que a imagem fosse recuperada rapidamente e com êxito.
A imagem foi encontrada na cidade de Campinas (SP), pelo delegado Malheiro Lopes. O juiz Carlos Amorim decretou a prisão preventiva de Franco Romano, descrito como “cigano”, que ficou preso primeiro em São Paulo e depois conduzido para Fortaleza. O ladrão pretendia “vender a imagem da padroeira de Iguatu a antiquários do Sul”, uma vez que seu valor estimado à época era de Cr$ 100 mil (Jornal do Brasil, ed. 004, de 13 de abril de 1971, p. 19). Diante da feliz notícia, a paróquia de Iguatu resolveu preparar uma festa para recepcionar a imagem de volta ao altar da Igreja. Os fiéis atribuem a tão rápida descoberta às orações e à fé de seu povo – “Todos os fiéis atribuem a descoberta de seu paradeiro às orações feitas em todas as igrejas do município e à fé do vigário que insistia em afirmar que dentro de pouco tempo a santa voltaria, tanto assim que recusou por outra imagem no altar” (idem). Assim, a matéria do Jornal do Brasil (ed. 009, p. 22), de 19 de abril de 1971 relata o retorno da imagem de Nossa Senhora Sant’Ana para Iguatu:
“Iguatu repõe padroeira em sua matriz
[…] A população do Iguatu vai receber hoje à entrada da cidade, com um cortejo de mais de 100 automóveis, muitas bandeiras e foguetes, e a imagem de Nossa Senhora de Santana, sua padroeira há mais de 250 anos, roubada em fevereiro e que agora volta ao altar-mor da matriz.
A imagem da santa será conduzida até a cidade num carro da diocese pelo bispo de Iguatu, Dom Mauro Ramalho, pelo prefeito Erasmo Alencar e por delegados de todas as entidades sociais do município, fazendo apenas uma ligeira parada em Acopiara.
GRANDE FESTA
Ao entrar na cidade, a imagem da padroeira será acompanhada em procissão pelos automóveis, numa extensão de 3 km até a matriz em frente a qual estará armado um palanque de onde falarão o bispo, o vigário e o delegado que recuperou a imagem, Sr. Amacio Lopes, de Campinas, São Paulo, a quem a cidade prestará homenagem de agradecimento. Após missa gratulatória, a imagem será recolocada, solenemente, no altar-mor da igreja, em meio ao foguetório.
DELEGADO CIDADÃO
O prefeito de Iguatu vai pedir à Câmara Municipal que conceda o título de cidadão iguatuense ao delegado de Campinas que restituiu a imagem à cidade e que está sendo encarado como herói pela população. Folhetos de literatura de cordel estão sendo preparados, contando As Façanhas do Grande Delegado que Salvou a Imagem da Santa.
O cigano Franco Romano, autor do roubo da imagem, não será levado já para Iguatu, a fim de ser julgado, porque a polícia teme que a população revoltada tente linchá-lo.”
Pela narrativa é possível notar tamanha comoção, que mobilizou as atenções da população em geral, dos comerciantes, do prefeito, da polícia e mesmo das cidades vizinhas, a exemplo de Acopiara.
Com a imagem de Senhora Sant’Ana de volta e segura, restava ainda aguardar o julgamento de Franco Romano que, conforme a matéria, não foi conduzido imediatamente ao Iguatu por receio da população linchá-lo. A matéria de 27 de abril de 1971 (ed. 016, p. 17) traz novas informações, agora sobre a situação de Franco Romano:
“Advogado ameaça pároco
[…] O advogado de defesa do cigano Franco Romano, prêso sob acusação de roubo da imagem da padroeira da matriz de Iguatu, anuncia que vai processar o pároco da cidade acusando-o de ter entregado a imagem ao seu cliente, para restauração, sem prazo fixo, e em seguida tê-lo acusado de roubo, praticando assim grave calúnia.
O advogado, que impetrou habeas-corpus para seu cliente, alega ainda que o juiz local, em sentença, afirma que Franco Romano era um vadio. Neste caso, diz o advogado, o padre José Gonçalves Landim, pároco de Iguatu, concorreu para que a imagem desaparecesse. Franco Romano aguarda julgamento do habeas-corpus e se afirma confiante em que será libertado, embora já tenha confessado roubo de outras imagens no interior do Ceará. O padre José Gonçalves Landim se diz tranquilo e confiante com tôda a população de Iguatu do seu lado.”
Franco Romano foi, depois de alguns dias, transferido para o presídio de Iguatu, onde aguardava o julgamento do pedido de habeas-corpus. Apesar das acusações do advogado e dos casos de furtos anteriormente realizados por Romano, o caso parece ter perdido o interesse público, ao menos no nível nacional, tendo apenas uma última e pequena matéria publicada no Jornal do Brasil, no dia 10 de maio de 1971 (ed. 027, p. 46):
“Tribunal dá liberdade a cigano
[…] O Tribunal de Justiça do Ceará concedeu ordem de habeas-corpus em favor do cigano Franco Romano, preso há um mês sob acusação de roubo da imagem de Nossa Senhora de Santana da Matriz de Iguatu.
A Camara Criminal concedeu a ordem por três votos contra dois e ontem o advogado de acusação foi a Iguatu, a fim de providenciar sua soltura. Franco Romano está preso na cadeia daquela cidade e deverá responder em liberdade ao processo.”
0 comentários