A sabedoria popular identifica como um dos presságios para um bom inverno as chuvas que precipitam no dia 19 de março, dia de São José, também padroeiro do estado. Neste ano, as previsões meteorológicas estimam que 2024 será um ano de bom inverno. Mas e quando o bom inverno extrapola e se transforma em calamidade pública? Vira também notícia, como ocorreu em 1973, em Iguatu.
Diante do estereótipo da seca tão divulgado nos jornais, chama atenção o conjunto de matérias publicadas no veículo de comunicação fluminense Jornal do Brasil, especialmente a partir de 15 de abril de 1973 (ed. 007, p.50), no qual se lê “Chuvas arrombam 13 açudes no Ceará e pároco de Iguatu retira famílias ameaçadas”. Por intermédio de um correspondente de Fortaleza, e ainda através de ligações realizadas entre o jornal e o bispo D. Mauro Ramalho, as matérias narram com certos detalhes os pontos da cidade que tiveram seu trânsito obstruído, como na Rodovia do Algodão, próxima a lagoa Areia, as inundações no bairro Prado e a retirada de diversas famílias, ou ainda a trágica morte do padre irlandês Patrício Fitzgerald que se afogou no rio Jaguaribe. Assim narra a referida matéria:
“A Rádio Iracema, de Iguatu, está informando a todo instante que a barragem do açude Lagoa do Barro ameaça ruir e transmite ainda um apelo do padre Antônio, holandês naturalizado brasileiro, pároco de Prado, para que a população a jusante do açude abandone suas casas, em virtude da precária segurança da barragem.
A mesma emissora divulgou que, no distrito de Barriga, arrombaram ontem 13 pequenos açudes e anunciou que três reservatórios, de dimensões maiores, ameaçam ruir. A lagoa Areia, no bairro de mesmo nome, na cidade de Iguatu, transbordou e suas águas alcançaram o leito da Rodovia do Algodão, que liga Fortaleza, por asfalto, ao Centro-Sul do Estado. Temendo o seccionamento da estrada, o prefeito local, Sr. Adil Mendonça, mandou abrir uma vala, por onde parte das águas se escoaram até a área do parque permanente de exposição agropecuária que ficou inundado.”
O prefeito Adil Mendonça, eleito em novembro de 1972 pelo MDB, iniciou seu mandato tendo que lidar com uma situação de emergência pública e precisou contar com ajudas provindas também da Igreja ou ainda de órgãos como o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem que reuniu “operários” para trabalhar “para recuperar o trecho interditado em virtude do transbordamento de um riacho, que cortou a estrada [Rodovia do Algodão]” (Jornal do Brasil, ed. 21, de 29 de abril de 1973, p.42). No local da vala a que a matéria faz menção, registrou-se ainda um acidente com um carro do tipo Rural, que transportava pessoas de Iguatu para Acopiara, onde diversos passageiros vieram a óbito. Tal acidente nos possibilita ter uma noção das dimensões tanto da vala aberta como das enchentes nesse trecho da cidade.
Mas além das famílias desabrigadas e estradas interrompidas, o jornal noticiou a morte por afogamento de um padre irlandês que à época atuava na paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro do Prado, especialmente com o público juvenil. Apesar da matéria noticiar apenas esse afogamento, o leitor iguatuense é capaz de lembrar diversas pessoas arrastadas pelas correntezas do Jaguaribe que vieram a falecer e, infelizmente, não tiveram seus nomes registrados nas fontes escritas. E mesmo a busca pelos corpos, conforme explicou D. Mauro para o jornal JB, se complica devido às fortes correntezas, aos matos e garranchos nas margens do rio.
Assim, o mesmo jornal publicou em 17 de abril de 1973 (ed. 09, p.28), com o título “Enchentes no Ceará deixa 50 casas submersas – Padre irlandês se afoga nas águas do Jaguaribe” as seguintes informações sobre Iguatu:
“Fortaleza (Correspondente) – O padre Patrício Fitzgerald, de 28 anos, nascido na Irlanda, morreu ontem afogado quando tomava banho no rio Jaguaribe, na cidade de Iguatu, sob as vistas do seu colega padre Antônio Bernagan, que nada pode fazer para salvá-lo.
Os dois padres tomavam banho no rio, que conhece atualmente uma de suas maiores cheias, quando a forte correnteza arrastou o padre Patrício. O vigário da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que o acompanhava, ainda tentou salvá-lo, mas, sem forças viu-o desaparecer nas águas barrentas do Rio.
CONSTERNAÇÃO
A cidade de Iguatu está chocada com a morte do padre, cujo corpo até a noite de ontem não havia sido encontrado. É muito difícil dizer-se se foi levado pela correnteza rio abaixo ou se está preso em alguma de suas margens. O padre morto era coadjutor da paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro do Prado, e tinha como tarefa cuidar dos assuntos da juventude. Na véspera ele estivera num retiro com 30 jovens e ainda ajudara a atender às famílias pobres do seu bairro, que estavam com casas inundadas pelo rio.
O Bispo de Iguatu, Dom Mauro Ramalho, falando ao JB pelo telefone, informou que o padre Patrício Fitzgerald estava em Iguatu desde agosto do ano passado, tendo chegado ao Brasil há pouco mais de um ano, e prestava grandes serviços à Diocese. Ontem à noite, segundo Dom Ramalho, grande multidão se acumulava em frente à casa do padre, enquanto centenas de pessoas buscavam pelas margens do rio a localização do seu corpo.”
Na edição seguinte do Jornal do Brasil, nova matéria estampa as dificuldades que os mergulhadores e pescadores estão tendo nas buscas pelo corpo do padre (Jornal do Brasil, ed. 10, de 18 de abril de 1973, p.20). Mas o leitor fluminense que se interessou em acompanhar sobre as buscas não obteve respostas (com base nas fontes analisadas até o presente momento). De acordo com relatos orais, o corpo foi encontrado por um rapaz apelidado à época de Catanã, que servia ao Tiro de Guerra, já nas proximidades de Orós.
Recorro aqui ainda à fonte imagética (vide imagem), a partir de uma fotografia postada no grupo do Facebook intitulado Iguatu Antigo, na qual é possível analisar as dimensões da enchente e o impacto causado no bairro à época conhecido por Beira Fresca (localizada às margens do rio Jaguaribe) e Prado.
Através da imagem é possível ter uma dimensão do que foi esse inverno, ao menos para o bairro Prado e arredores do rio Jaguaribe, onde as ruas ficaram completamente alagadas. Logo abaixo da ponte metálica, no canto superior esquerdo da imagem, projeta-se os níveis que as águas do rio alcançaram, onde muitas casas ficaram submersas e famílias tiveram de sair às pressas.
Por Naiara Leonardo Araújo
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