1984: a revitalização da Praça da Matriz é tema no jornal iguatuense De Fato

13/01/2024

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

Ao longo do século XX, Iguatu contou com diversos entusiastas e colaboradores dedicados a criar e desenvolver a imprensa escrita local. Dentre os títulos, quero ressaltar o jornal independente De Fato, que iniciou suas publicações em 1º de julho de 1984, com o seguinte corpo editorial: Yehudi Bezerra (editor-chefe), Francisco Ferreira de Araújo, o Frei Chico (diretor comercial), Valdi Emanuel de Sousa (diretor de reportagem), Valdeilton Ferreira de Sousa (diretor de operações), Paulo César Barreto (diretor de arte), Brennand S. Bandeira e Dan Carvalho Bezerra (ilustrações), Otacildo Campos Nascimento, o Kaká (fotografia). Além dos representantes em Fortaleza – Sávio Holanda Amaro, Nonato Lima e Sandoval Teixeira em Cedro – B. C. Neto e Joan Edeson – e em Lavras da Mangabeira – Arruda, o jornal contava ainda com uma lista de colaboradores contendo dezoito nomes.

Com sua sede administrativa e redação localizada na rua Floriano Peixoto, 471, o jornal ainda destaca que “as matérias assinadas expressam o pensamento de seus autores, mesmo em desacordo com o pensamento do jornal, que só se responsabilizará por elas na forma da lei”. Sua impressão, no entanto, era feita pela Gráfica VT LTDA, situada em Fortaleza.

Nesse sentido, quero aproveitar que janeiro é um mês festivo para Iguatu para relembrar um momento da nossa história em que a Praça da Matriz passou por revitalização. A matéria, publicada na edição nº 1, de 1º de julho de 1984, intitulada “Em execução projeto de revitalização da Praça da Matriz” e assinada por Paulo César Barreto, estampa, juntamente com uma fotografia, toda a parte superior da página de capa do jornal. Na legenda da fotografia inscreve-se: “Árvores multidecenárias são derrubadas, para darem lugar a uma nova concepção de aproveitamento do espaço.”

Aproveito ainda para agradecer ao memorialista e historiador Sr. Wilson Holanda Lima Verde, pelas conversas, entrevistas concedidas e por me permitir consultar seu acervo pessoal.

Abaixo, segue um trecho:

“EM EXECUÇÃO PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA PRAÇA DA MATRIZ

A Prefeitura Municipal de Iguatu começou a restaurar a praça Dom Pedro II, também conhecida como Praça da Matriz. Trata-se do primeiro espaço nesse gênero, que surgiu na estrutura urbana da cidade.

Dotada de superdimensão e possuindo um desenho que não observa os critérios da racionalidade e do conforto ambiental, há anos ela reivindicava uma intervenção e uma reordenação. Seu contexto não está definido apenas pelo lugar-embrião em si, com a Igreja de Nossa Senhora de Santana, ou mesmo pelas inúmeras fachadas que a olham. Sua relação de vizinhança se imiscui por outros setores que não o meramente espacial. Foi aí que se desenrolou o teatro dos principais acontecimentos históricos de Iguatu. Dada a falta de uma política preservacionista e de uso ordenado do solo, a tipologia habitacional que a contorna seguramente não guarda a lembrança do que foram seus altos casarões residenciais.

O PROJETO

Numa dessas manhãs de junho, de claridade cristalina, a população finalmente tomou conhecimento de que os serviços preliminares tão timidamente encetados davam conta de uma intervenção que se revelaria muito mais séria depois. O que para uns (o enorme bucaro que se fazia no miolo da praça) seria uma capacitosa cisterna, para outros, dada a morosidade de sua execução, só podia ser alguma pesquisa arqueológica. Surgiram muitas dúvidas, mas chegou-se a ventilar a hipótese de um enorme espelho d’água com fonte luminosa e tudo.

Mas o fato que realmente chegou a mexer com a opinião pública se fundamenta justamente na reação em vista da derrubada inclemente de nada menos de 7 (sete) macaubeiras cinquentenárias que ali repousavam, para o deleite de tantas crianças e para a inquietude de pessoas como as que ordenaram tal morticínio. É certo que, num caso assim, cheio de suscetibilidades políticas e melindres pessoais e partidários a observar, a revitalização de uma praça, com a derrubada de sua antiga flora, mesmo que contando com a implantação de uma mais racional presença vegetal, é uma temeridade, se não realizada com pleno conhecimento dos desejos da população. […] Argumentos anti-ecológicos como “macaubeira não dá sombra” ou “lá vêm as crianças atirar pedras nas macaúbas” foram tão sólidos quanto a máquina que em poucos minutos deu fim ao caso. E assim mais uma espécie vegetal (já em fase de extinção) vai desaparecendo tristemente das praças de Iguatu. Quem não se lembra do extermínio dos “ficcus-benjamins”? Foram todos cortados porque a Prefeitura não sabia o que fazer com os “lacerdinhas”, impertinente praga que surgiu por aquela época (há cerca de uns 20 anos). O jeito foi aplicar a “sabedoria popular” e curar o mal pela raiz: os benjamins foram todos derrubados para acabar com a peste dos “lacerdinhas”. Cura-se a doença matando-se o doente!

Outros aspectos do projeto já se delinearam: estrangulamento da praça para a criação de espaços destinados a estacionamentos, além da intenção de trato reduzido – em vista da escassez de recursos, o que já começa a se tornar habitual em nosso País, apenas uma parte da praça receberá a intervenção. A histeria por estacionamento de veículos parece que se enraizou definitivamente no Paço Municipal, enquanto os centros mais avançados do País enveredam por uma política de pedestrianização (dar lugar ao pedestre) nas diversas áreas da cidade.

[…]”

O documento acima traz diversos pontos interessantes para a reflexão e dentre eles destaco: (1) a morosidade nas obras públicas, associado à limitação de informações para a população e a dificuldade de gerir os recursos; (2) a questão ambiental – que, se antigamente era incentivado a plantação de árvores frondosas (como visto nos artigos de conduta, de 1857) aqui se derruba para dar espaço a estacionamentos, sem qualquer cuidado com os tipos em risco de extinção; e (3) a transformação urbanística necessárias devido ao quantitativo de automóveis. E, apesar do documento ser de 1984, tais debates (morosidade e gestão financeira de obras públicas, questão ambiental e transformações urbanas) não se mostram superados, infelizmente.

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