Tenente-coronel Nijair Araújo Comandante 4º Batalhão de Bombeiro Militar

01/08/2020

O cenário de devastação por causa das queimadas é desolador. Mais preocupantes é que flagrantes têm mostrado que muitos dos incêndios que estão destruindo a fauna e flora tem origem criminosa. Sobre este tema e o fato das queimadas estarem começando bem mais cedo, o A Praça traz nesta edição, entrevista com o tenente Cel. Nijair Araújo, comandante do 4º Batalhão de Bombeiros Militar de Iguatu e 4º Grupamento de Combate a Incêndios.

A Praça – Por que as queimadas, que antes começavam pelo mês de novembro, ultimamente estão começando bem mais cedo, variando entre junho e julho?

Nijair – Na realidade, todo o segundo semestre é caracterizado pelo aumento de focos de calor – essa é uma característica brasileira. O que normalmente há em novembro é o pico dessas ocorrências. Ano passado, por exemplo, 92% dos focos de calor no Estado do Ceará ocorreram nesse período. As queimas deixam cicatrizes que se recompõem, dependendo do tempo e das atividades biológicas e meteorológicas posteriores, mas há perdas irreparáveis que poderiam ser evitadas. Em número de casos, ilustrativamente, Iguatu foi a cidade com maior quantidade de focos, seguida por Sobral, Crateús, Juazeiro do Norte e Crato. Assim como existe o triângulo do fogo, envolvendo combustível, comburente e calor, os incêndios florestais também possuem três elementos importantes: a meteorologia, a topografia e o combustível. Acreditamos, portanto, que essa maior elasticidade do período crítico, em relação a focos de incêndios em vegetação, estendendo-se de junho a dezembro, com o pico em meados de novembro, esteja, grosso modo, diretamente ligada a esses elementos.  

A Praça – Além dos fatores naturais, como o clima quente (vegetação seca, baixa umidade relativa do ar e muitos ventos), que outros fatores estão cooperando para tanta devastação com as queimadas?

Nijair – O clima está associado a um dos elementos do triângulo do incêndio florestal citado anteriormente. Nossa topografia também favorece a queima e o combustível está disponível abundantemente em nossas paisagens naturais. Nesse sentido, ainda utilizando o paralelismo comparativo-analógico com o triângulo do fogo, que pode ser extrapolado para o tetraedro do fogo, com a introdução de um quarto elemento (a reação em cadeia), podemos acrescentar, como fator decisivo nos incêndios florestais, o elemento antrópico, ou seja, humano. Explicando melhor: o acidente não tem existência própria, ocorrendo, em 99% dos casos, pela ação humana, quer por meio de atos inseguros, quer por meio de condições de insegurança. A natureza contribui com apenas 1% desse percentual e, normalmente, manifesta-se em resposta às agressões que sofre, acredite, do mesmo homem. Portanto, reputamos essencial que discussões ambientais se voltem para o homem, enquanto principal agente transformador das paisagens naturais. Há muita especulação em torno de várias questões transnacionais e uma delas se refere ao meio ambiente. Precisamos sair da conduta eminentemente político-ideológica; é necessário discutir e rechaçar generalizações e estigmas que nos enchem de “ismos”. Urge que a sociedade pondere modismos e clichês, saindo dos maniqueísmos precipitados que nos rotulam e nos separam. Precisamos analisar e deliberar com um mínimo de racionalidade. Sinto que falta isso. Há muitos manuais ‘politicamente corretos’ e ‘politicamente incorretos’. Entramos na era da informação em massa, da contrainformação velada e, principalmente, da desinformação – três facetas da mesma moeda. A pergunta é, diante de cada uma dessas ideias: “A quem tu serves?”

A Praça – O que prevê a nossa legislação, como penalidade, para quem for flagrado colocando fogo criminosamente na vegetação?

Nijair – Inicialmente, além dos incêndios florestais, que se asseveram no segundo semestre, temos as queimadas urbanas que ocorrem o ano inteiro. A legislação, portanto, prevê sanções para todas essas agressões. A Lei de Crimes ambientais, em seu art. 54, prevê, por exemplo, o crime de poluição, cujo tipo penal seria causar poluição, que coloque em risco a saúde humana ou segurança de animais, ou destrua a flora. Parece banal, mas é recorrente, em nossos quartéis, incômodos e transtornos relacionados a essa prática – o cidadão se sente no direito de tocar fogo no lixo que produziu, sem ter o bom senso de que aquele gesto pode e efetivamente incomoda o outro. Perdemos valores mínimos de convivência, falta empatia, não sabemos mais nos colocar no lugar do outro. Além disso, não temos consciência preventiva consolidada em nosso país. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 250, também faz referência a crimes afeitos a incêndios. As cominações penais, dentro da dosimetria da pena, sofrem gradações que podem levar a penas de até seis anos de reclusão e multa. Entretanto, nossa maior preocupação deveria ser com a educação das nossas crianças e jovens e não com a punição. Estamos cada dia mais acusadores dos defeitos e erros alheios. O perigo de agirmos assim é que esquecemos de olhar para dentro de nós mesmos e perceber nossas imperfeições. Não basta construirmos um mundo melhor, mas deixarmos seres melhores para o mundo.   

A Praça – Em nível de Corporação dos Bombeiros, como tem sido a rotina deles em relação às ocorrências com as queimadas?

Nijair Fomos treinados para o imprevisível. Quando estamos de serviço, sabemos que podemos agir em qualquer tempo, nas circunstâncias as mais adversas possíveis. Em nossas análises táticas iniciais, ainda em deslocamento para a ocorrência, pensamos nos materiais que temos disponíveis, nas técnicas que possuímos e, baseados no que chamamos de Acidente Máximo Postulado – AMP, traçamos nosso plano de operação. Assim, sempre criamos mentalmente o pior cenário possível, pois essa percepção nos fortalece quando o cenário está aquém daquele que idealizamos e não nos abala diante de horrorosos e dantescos incêndios. As queimadas, ultima ratio, são apenas uma extensão da complexidade da nossa atividade profissional que tem como pano de fundo o dinamismo que nos afasta da rotina. Nesse sentido, ressaltamos a importância do Comando Geral da Corporação. O Cmt Geral, Cel Holanda, tem se voltado com extremo carinho para os quartéis do interior. O Cmt Adjunto, Cel Cleyton, sempre atende a todas as nossas demandas e o Ten Cel Anderson, atual Comandante dos Bombeiros do Interior, tem sido o elo fundamental para o crescimento de todos. Temos, hoje, uma Corporação coesa, todos voltados para o mesmo objetivo: a excelência no atendimento, transformando dificuldades em possibilidades, dentro das nossas limitações.

A Praça – Quais são os prejuízos para a fauna e a flora com a evidência das queimadas?

Nijair – Os prejuízos são incalculáveis. Basta uma vida animal perdida para justificar toda uma luta pela não degradação ambiental. Infelizmente, há biomas transformados pelas queimadas, plantações destruídas, patrimônios e sonhos perdidos. É angustiante ouvir relatos de agricultores lamentando, após um incêndio em vegetação, que perdeu todo o pasto. É impactante para os bombeiros, durante o combate, passarmos por animais queimados. O cenário cinza da destruição, que nos remete à morte, não é o que desejamos. O que nos fascina é o verde das plantas que nos leva a pensar num Criador que é sinônimo de vida e vida em abundância.

A Praça – O que é o pior das queimadas? Quando ficam fora de controle?

Nijair – Nós, bombeiros, combatemos e retornamos para o quartel, com a sensação do dever cumprido. Independente da proporção, sabemos que o fogo será debelado. O tempo de combate é indiferente. Podemos voltar no mesmo dia ou passar vários dias em ação. As dificuldades são imensas, mas, além de lidar com a morte dos animais que não conseguem fugir; além da consciência de que muito se perde da biodiversidade, temos como fator de dificuldade o desgaste físico dos nossos homens. O combate florestal, apesar de atualmente contarmos com o apoio de aeronaves, com drones e outros aparatos tecnológicos, ainda exige muito dos militares florestais. São bombeiros abnegados que adentram matas em chamas, conduzindo materiais de sapa, cantil, bombas costais; homens que se submetem aos riscos inerentes às florestas, durante o contato real com a natureza em chamas.

A Praça – Recentemente foi criada mais uma companhia de Bombeiros, a sexta companhia, que também passa a ficar sob o comando do coronel Nijair Araújo. Já são quantas as companhias da corporação ligadas ao batalhão de Iguatu?

Nijair – Em mais uma ação do Governo do Estado, graças aos esforços renovados do nosso Comandante Geral, Cel Holanda, em parceria com a prefeitura de Quixadá, as instalações da 6ª Companhia do 4º Batalhão ficarão prontas no final de agosto, com previsão inicial de inauguração entre os meses setembro ou outubro. Com ela, serão seis quartéis sob a circunscrição do Batalhão: Iguatu, Quixeramobim, Limoeiro do Norte, Aracati, Guaramiranga e Quixadá. Será mais uma grata responsabilidade, o que aumenta nosso compromisso com a missão de salvaguardar vidas e haveres.

A Praça – Comandante, uma ocorrência de incêndio na noite de quarta-feira, dia 29, no município de Orós, teve ampla repercussão na imprensa. É verdade que a origem do sinistro pode ter sido criminosa?

Nijair – Na manhã do dia seguinte, recebi mensagens de uma pessoa relatando ter presenciado o exato momento em que dois homens, numa moto Bros, pararam na entrada da cidade de Orós, um deles desceu e, com uma tocha numa das mãos, ateou fogo na vegetação. Ela lamentou não ter tido a ideia de registrar e declarou que jamais imaginaria que o fogo tomasse a proporção que tomou. Exatamente por isso, costumamos solicitar à população que nos auxilie nessa empreitada. Sozinhos, fica impossível para nós, bombeiros militares, o enfrentamento diante de problema tão grave e recorrente. A denúncia é fundamental. Sem a identificação de possíveis autores, o Estado não pode agir, utilizando-se do poder punitivo que a legislação prevê. A responsabilidade social é um preceito coletivo, estando nas mãos de todos o dever de ajudar.

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