Murilo Barroso (Escritor aprendiz em prosa e verso)
Nem sempre, história de pescador narra o tamanho real do peixe fisgado. Muitas são, a propósito, fantasiosas. Eu adoraria que essa fosse ficcional, entretanto é tão exata, provável e melancólica que até uma ave da família dos pelicanos bota os pés na pescaria para testemunhar o fato.
Rio Jaguaribe – “Rio das Onças”. O maior rio seco do mundo é um presente da natureza para nós cearenses. Nasce em Tauá e deságua em Aracati. Desce, ora curvo, ora reto, transportando lixo e dejetos que lhe fazemos engolir. Sua jusante tem 633 quilômetros, banhando onze municípios, dentre eles, Iguatu.
É verão. O sol ferve, tem pouca água, talvez nem tenha mais peixe. Vou arriscar e aproveito para ver de perto o que temos no leito deste vital provedor.
Numa vasilha plástica, ponho as iscas. Minhocas que coletei num bananal irrigado com águas do lençol freático. Pego o anzol e vou ao encontro de um poço que fica a cerca de dois mil metros.
Chegando ao marco zero da caminhada, já observo um cenário desértico. O sol reverbera fazendo tremular a configuração panorâmica. É causticante, no entanto, arde ainda mais que a pele e os pés, a alma por ver tamanha degradação. Montes de lixo, mata ciliar quase despida, retorcida de dor, incapaz de sombrear sequer um vasilhame de agrotóxico que ali exibe sua caveira. Barreiras erodidas e a calha assoreada parecendo uma caixa de pizza.
A sensação de cataclismo tira o entusiasmo, quase me dissuadindo da aventura.
Persistente, chego ao destino da pescaria, reservatório com aproximadamente 600 metros quadrados, cor esverdeada, tendo como sombra apenas dois arbustos seminus.
Sentado na encosta, lanço o anzol com pouca esperança. Quiçá, uma traíra, um piau, etc. Eu precisava fisgar alguma coisa e contar a história do tamanho que pescara.
A solidão, a imaginação e o silêncio me permitiam ouvir coisas, tais quais, vozes de jaguares. De repente, uma solitária ave branca de pernas e bico longos, olhos avermelhados, surge do lado oposto do poço e fica por horas e horas espreitando uma presa. Passa a ser minha companhia. Sofrendo da mesma angústia. A garça anda de um lado a outro com passos exuberantes, como se desfilando numa passarela aquática. Entreolhares e desilusões são comuns aos pescadores.
Desloquei a linha por vários pontos, até que, um engancho ocorreu. Isto criou uma expectativa. Pesou e imaginei ser um peixe-boi.
A garça alerta ao movimento, fixou olhar.
A vara fletia ao máximo e cuidadosamente fui içando o pescado que aflorava causando barulho, gerando ondas e assustando minha amiga pernuda. A ave cor da paz e bicuda, com olhos de quem chora bastante, alçou voo logo que viu emergir um saco plástico cheio de lixo no meu anzol.
Neste momento fui ao fundo. Mergulhei em lágrimas, por mim, pela companheira, pelo rio e por você ribeirinho.
Caminho de volta, perplexo, tenho a impressão de ouvir o sussurrar angustiante do Jaguaribe, que dizia: “Humilde aos seus pés que lavo, após saciar sua secura, sendo seu eterno escravo, irrigando sua cultura, lhe peço não me faça agravos, não mereço tanta agrura”.
Em casa notei que esquecera a vasilha das iscas.
Voltei para buscá-la. Era minha obrigação. Senão estaria sendo conivente deste crime ambiental.
Não posso lavar as mãos com quem nos banha e abebera.
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