“… Repetunt caecis obscura latebris verba datae sortis”
Ovidius – Metamorfoseon
No ano 155 da Era do Senhor o próprio Lucius Vero, coimperador de Marcus Aurelius, partiu com sete legiões para a Germânia, na fronteira com o Danúbio. Toda a elite dos oficiais foi mobilizada. Havia muita algazarra na Magna Urbs naquela manhã do dies lunae.Tropas desfilavam pela cidade. Todo o aparato de guerra era montado.
Havia muita euforia e preparativos também na Villa do velho cônsul e general reformado Plautius Agripa. A imponente propriedade situava-se no vale ao pé do Aventino, bairro destinado aos nobres Patrícios e Senadores. Ordens eram ouvidas aos berros, servos apressados iam e vinham. Refulgiam as cores de Marte. O velho, já octogenário, fora oficial em batalha ao lado de Trajano. Acumulara honras e prestígio. Agora via seu filho Lucius Agripa, mal chegado aos vinte anos, já Tribuno militar, preparar-se para a sua primeira campanha longe da Itália. O jovem estava radiante. Honor et Virtus o impulsionavam. Lustrava junto dos Penates, num pequeno oratório, a vermelha armadura de couro, a pomposa túnica e o reluzente gladium ainda virgem do sangue dos inimigos.
Mas havia uma pesada sombra de tristeza. Lucius casara-se há apenas duas semanas com a belíssima e quase ainda puella Flávia Drusilla. Vinha dos seus grandes e castanhos olhos a sombra de tristeza… Mesmo sabendo que seu jovem marido partiria para muitas campanhas como aquela, sentia uma pesada inquietação naquele momento. Tentava, quase a chorar, dissuadi-lo de partir:
– Não vá, não vá. Pressinto algo. Os Deuses não estão propícios.
– Minha ninfa, eu sou um soldado e devo ir.
Marchariam na primeira luz da manhã seguinte. Flávia Drusilla mandou chamar os arúspices, áugures e adivinhos. Eles olharam as vísceras de animais sacrificado a Marte, interpretaram o voo dos pássaros, leram sortes nas estrelas, mas nada foi conclusivo. A voz do Fatum não se fazia ouvir. Então uma velha escrava síria, tentando acalmar a bela Drusilla, insistiu em ler o destino na borra do vinho. Letras e sinais surgiriam. A contragosto Lucius sorveu uma boa taça de um antigo Falerno da adega do seu pai. “Aqui está – disse ele – para que te acalmes, amor.”
Ansiosa, apertando as longas, brancas e finas mãos, Flávia mirava o rosto envelhecido da serva. Esta procurou em vão disfarçar uma expressão facial preocupada e mostrou, constrangida, algumas letras em latim que se formaram no fundo da recurva taça de bronze: D… Lethum expectat.A primeira palavra não trazia todas as letras, mas era espantoso como as outras duas estavam ali, claras para serem vistas. D… a Morte espera.
– Não vês, meu amor ? Não podes partir. O Fado nos adverte. A morte te espera. D. certamente significa o rio Danúbio, para onde vais. Fica, pelos deuses, fica!!!
Flávia chorava, suplicante. Mas Lucius, embora um pouco impressionado com a formação das palavras, jamais poderia desertar. Não ir à guerra seria uma desonra punida com a morte.
Partiram as legiões. A bela esposa ficou inconsolada, certa da futura viuvez. Oito demorados anos se passaram. Durante este tempo ela usou o negro véu, fez orações à Juno Protetora, deu esmolas e sempre esperou más notícias da frente germânica. Más notícias nunca chegaram. Somente boas novas. Os Bárbaros foram detidos, a rebelião abafada. Lucius fora condecorado e estava muito bem.
Nem a própria Vênus – mecastor! –tinha um sorriso tão iluminado e olhos tão festivos quanto Flávia Drusilla quando retornaram as vitoriosas tropas de Roma. Celebrou-se até um pequeno Triumphus através das ruas da cidade. Todos estavam felizes. Dissiparam-se os medos e as superstições…
Na noite da chegada do jovem Lucius e nas noites seguintes o casal deu-se às doces práticas do amor regado a vinho e a muita volúpia. Juno, a Bona Dea, reinava na paz daquela família.
Mas depois de uma semana, tão somente uma semana, Lucius morreu de uma febre repentina. Em meio ao luto e ao desespero de todos, secretamente, nos fundos da Villa, a velha escrava síria afinal decifrou o sentido da incompleta palavra. D… Lethum expectat.Era Domi! A MORTE ESPERA EM CASA!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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