A importância dos cactos presentes na flora da Caatinga

09/01/2021

Por Thaíla Vieira Alves dos Santos* e Bruno Edson-Chaves** (*Mestre pela Universidade Estadual de Feira de Santana e especialista em plantas suculentas e **professor da Universidade Estadual do Ceará)

Os seres vivos que habitam ambientes áridos, como no Bioma Caatinga, são exemplo de sobrevivência à escassez de água. Cada animal ou planta que vive nessas áreas desenvolve suas próprias estratégias para driblar essa situação. No que se refere às plantas, essas estratégias podem ser de fugir à seca, de modo que só observamos essas espécies no período chuvoso, ou estratégias de tolerar a seca para sobreviver nos períodos de estiagem.

Dentre as estratégias das plantas tolerantes encontra-se a suculência de seus órgãos vegetativos (raiz, caule ou folha). O órgão suculento é caracterizado por uma região normalmente inchada e quando cortadas podem liberar uma substância viscosa (p. ex. Babosa, Croatá, Macambira e Espada de São Jorge). As plantas suculentas possuem um mecanismo de estoque interno de água que pode ser utilizado em períodos de secas prolongadas.

A planta símbolo da Caatinga, o Mandacaru, é uma suculenta da família dos cactos. Só no Nordeste, ocorrem 116 espécies de cactos, dos quais 90 estão presentes na Caatinga. Os representantes dessa família apresentam características marcantes, como: rara presença de folhas, presença de espinhos organizados em auréolas (estrutura elevada de onde deveria sair a folha); ramos comprimidos, ou cilíndricos; flores geralmente grandes e muito chamativas.

Os únicos representantes dos cactos que possuem folhas fazem parte do gênero Pereskia, que na Caatinga é representado por 4 espécies, todas elas podem ser popularmente conhecidas como Ora-pro-nobis, sendo apreciada por algumas espécies possuírem folhas comestíveis. Estudo científico desenvolvido na Universidade Estadual de Santa Catarina identificou teor significativo de minerais como manganês, magnésio, ferro, cálcio, além de vitamina C e fibras nessas estruturas, revelando potencial bioativo comparável ao encontrado no espinafre e couve.

Entre as espécies de cactos amplamente conhecidas na região, merecem destaque: Palma, Mandacaru, Xique-xique, Facheiro, Quipá e o Coroa-de-Frade.  O primeiro é uma importante fonte alimentar para os animais que vivem neste ambiente, pois em períodos de estiagem prolongada boa parte da cobertura vegetal fica seca, ou morre, restando pouca fonte de alimento disponível. Sabendo disso, a população sertaneja tem investido em plantações de Palma, para alimentar o gado em períodos de escassez de chuva, como uma estratégia para manter o rebanho vivo nesses períodos. Além de alimentar o gado a Palma também pode ser incluída na dieta humana, como sugerido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e estudos desenvolvidos pela Embrapa revelam a presença de bioativos com funções antioxidante e anti-inflamatório em frutos e outras partes da planta.

As demais espécies citadas além de exercerem importante papel ambiental (atuam como fonte de água, alimento e abrigo para muitos animais silvestres), também são amplamente utilizadas pela população local para as mais diversas funções, como uso medicinal, fonte de alimento e construção. Atualmente os usos dos cactos vêm conquistando espaço no mercado de plantas ornamentais e no paisagismo, gerando um amplo mercado interessado em sua comercialização.

Em 2016 a International Union of Conservation of Nature (IUCN), trouxe à tona um alerta sobre a conservação dos cactos no mundo. Neste relatório os cactos foram listados entre as plantas mais ameaçadas do mundo, com 31% das suas espécies em perigo de extinção. Os principais motivos dessa situação, são citados em 2015 por um grupo de cientistas da Universidade Exeter, no Reino Unido, relatando que 47% dos cactos ameaçados sofrem diretamente com o comércio ilegal para o mercado da horticultura.

Um caminho para a conservação dos cactos é o cultivo “ex-situ”, que consiste em conservar as plantas em outro ambiente que não seja o seu lugar de origem, formando coleções de plantas vivas ou banco de semente, para que posteriormente possam ser reintroduzidas, de forma controlada ao seu habitat original. Porém coleções de cactos, conhecidas como cactários, com fins de conservação são pouco comuns no Brasil. Na região Nordeste, cactários comerciais é um tipo de empreendimento que tem um forte potencial de crescimento, pelas condições climáticas favoráveis para esse cultivo.

Deste modo os cactos exercem um importante papel ecológico e econômico na região, ajudando a desmistificar a ideia de que a Caatinga é um Bioma pobre, castigado e sem prosperidade. A demanda por cultivo de cactos, vem mostrando mais uma das diversas potencialidades desse Bioma que é próspero e grande em biodiversidade. E sua população, que está sempre buscando formas de viver da sua criatividade e talento para empreender, pode encontrar nos cactos inspiração para sobreviver às intempéries da seca, usando todos os recursos que estão disponíveis.

Mandacaru fotografado na Chapada do Araripe, Crato-CE. (Foto: Bruno Edson)

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