Emmanuel Montenegro
Jornalista e biógrafo
A história de uma cidade é escrita por seus habitantes, no dia a dia, a cada ação, escolha, acontecimento. Foram inúmeros os fatos que contribuíram para a formação do espaço hoje ocupado por Iguatu, que de povoado próspero foi elevado a distrito com o nome de Telha, em 1842, até conquistar sua emancipação política e administrativa, em 25 de janeiro de 1853, desmembrando-se do município de Icó.
Cada morador ajudou a escrever essa história, pessoas de destaque na sociedade e aqueles sem sobrenomes importantes, mais conhecidos pelos seus primeiros nomes. João, Maria, Francisco, Pedro, Ana, José, Antônia e tantos outros iguatuenses. Todos eles foram responsáveis por tornar o município, ao longo dos anos, polo comercial e de serviços da região Centro-Sul do Ceará, com população estimada pelo IBGE 2020 de 103.074 habitantes.
Foi a partir da chegada dos primeiros desbravadores no interior da antiga capitania do Siará Grande, na segunda metade do século XVII, que teve início a ocupação do vale do Jaguaribe, onde foram estabelecidas “as fazendas de criar”, em uma zona semiárida, pobre de acidentes e sem nenhum relevo apreciável, a não ser pequenas serras ou serrotes, mas com um extenso rio – o Jaguaribe (rio das onças na língua indígena) -, e várias lagoas, sendo a de maior tamanho a lagoa do Iguatu, em cuja circunferência argilosa se originou uma comunidade de ceramistas produtores de telha e artefatos inerentes – atividade que logo faria o lugar alcançar a sua autonomia territorial.
Índios
A região era habitada pelos índios Quixelôs, guerreiros nômades da raça tapuia, em constante luta contra o homem branco e a tribo indígena dos Jucás na disputa de terras. As missões presididas pelos jesuítas contribuíram para o povoamento do sítio da Telha, à medida que os nativos eram catequizados e integrados ao convívio em sociedade. Mas foi com o estabelecimento das sesmarias que a sua ocupação se deu por definitivo.
Em menos de um século, a ribeira do Quixelô já era habitada por milhares de pessoas – entre possuidores de terra, escravos e trabalhadores livres – que se distribuíram em sítios e fazendas. A economia local era apoiada no manejo da terra, tendo como base a criação de gado e a agricultura – sobretudo o cultivo de arroz, feijão, mandioca e fumo.
Com o avanço do trabalho humano, o distrito de Telha se desenvolveu, sendo desmembrado de Icó e elevado à vila com a mesma denominação. Documentos históricos dão conta de que nos idos de 1814 a povoação era chamada de Santa Anna da Telha. A freguesia seria criada em 1831, separada de São Mateus (Jucás) sob a invocação de Senhora Sant’Ana.
As obras da igreja Matriz foram concluídas na segunda metade do século XIX e tiveram um custo total de dois contos, oitocentos e sessenta mil réis; dinheiro arrecadado inteiro dos fiéis. Na sagração do templo religioso, tendo à frente o vigário monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, estiveram presentes o bispo do Ceará, dom Joaquim José Vieira, e o então capelão de Juazeiro do Norte, padre Cícero Romão Batista. A igreja era ricamente adornada, onde ocorriam reuniões de caráter cívico, as sessões de tribunal do júri e as eleições, que se dava em um ambiente contíguo, o consistório. A diocese de Iguatu foi criada em 1961, por bula papal “In Apostolicis Muneris” do papa João XXIII, e instalada no ano seguinte com a posse de seu primeiro bispo, dom José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago.
Além dos órgãos administrativos e das casas das autoridades e pessoas mais abastadas, na vila da Telha havia residências familiares que também serviam como estabelecimento comercial, funcionando em anexo, normalmente em um dos cômodos, uma bodega. Era o local onde moradores se encontravam para colocar os assuntos em dia, tomar uma dose de aguardente ao pé do balcão e comprar produtos diversos, de material de caça e pesca a artefatos de couro, de utensílios para cozinha e uso doméstico a alimentos.
Algodão
A partir de 1861, houve um impressionante crescimento da cultura algodoeira na região, incentivado pela Guerra de Secessão nos Estados Unidos da América, que elevou o preço do produto no mercado internacional, iniciando o chamado “ciclo do ouro branco”, que seguiu até o início da década de 1980, quando plantações inteiras foram devastadas pela praga do ‘bicudo’.
Antes, o povoado foi atingido pela maior enchente de que se tem registro, com as águas do Jaguaribe transbordando e invadindo a rua do Quadro, desabrigando moradores e causando enormes prejuízos para a agricultura. Após o dilúvio, surgiram duas ruas paralelas ao Quadro, que ampliavam o traçado da área. De um lado, ficava a rua da Viração ou “do cisco” (hoje rua 15 de Novembro), e do outro, a rua do Fogo (hoje rua Floriano Peixoto).
A vila foi elevada à categoria de cidade em 1874, recebendo a denominação de Iguatu no dia 20 de outubro de 1883. Por que não chamar de Iguatu a terra abençoada pela natureza com várias lagoas? O topônimo é uma alusão ao conceito indígena de que a terra está plantada em uma região entre lagoas consideradas de “água boa”, significando Iguá = lagoa, lago + katu = bom, boa, saudável.
Após a Proclamação da República, em 1889, entre quadras de bom inverno e longas secas, deu-se um período de grandes realizações para a cidade, sendo a mais importante a instalação da iluminação pública – dois postes com lampiões de querosene, ampliados mais tarde. A linha férrea chegou no começo do século XX, permitindo o escoamento da produção com maior rapidez e alterando o traçado de ruas, becos e praças.
Iguatu se tornou importante centro produtor de algodão, elevando os lucros do comércio e das indústrias de beneficiamento do algodão. Destacavam-se as fábricas de Alencar Benevides, de Gustavo Correia Lima (também com beneficiamento de arroz), de Angélica Romeiro (Fábrica São José) e do coronel José Ferreira Pinto de Mendonça. Em 1924, Trajano de Medeiros fundaria a Companhia Industrial de Algodão e Óleos – Cidao, a mais importante da história de Iguatu na produção da fibra e do óleo de algodão e do babaçu e uma das maiores indústrias do Ceará, hoje extinta.
A inauguração da energia elétrica, em 1923, por iniciativa de Gustavo Correia Lima, propiciou a abertura de novos estabelecimentos comerciais, de clubes e associações, entre os quais a Associação Comercial (1923), a Associação dos Auxiliares do Comércio de Iguatu (1924) e a Loja Maçônica Redentora Iguatuense (1933). Ruas e praças receberam calçamento e arborização; foi feito o alinhamento das calçadas e os imóveis ganharam numeração; a praça Demóstenes de Carvalho (local do Abrigo Metálico) foi adornada por jardim e a da Matriz por um coreto e bancos de ferro e cimento. Também foram reformados os prédios do antigo mercado de carne e da Câmara Municipal, onde foram instalados o salão do Júri e a sede da Prefeitura. O município inaugurou novas escolas, com distribuição gratuita de material escolar aos estudantes. Foram construídas estradas ligando a sede aos distritos e outros municípios, bem como um pontilhão de cimento armado no aterro da lagoa da Bastiana (Sebastiana). Realizaram-se estudos nas lagoas do Iguatu, Barro Alto e Quixoá, visando preservar os níveis de água e incrementar o cultivo de arroz. A cidade respirava um ar de tranquilidade e progresso.
Terra de Sant’Ana
Nas festas religiosas, a população se alegrava, dando vazão à fé. Além da festa de Senhora Sant’Ana, tinha a coroação de Maria, de Jesus, de Nossa Senhora do Rosário, e outras, realizadas na praça da Matriz, com a presença de banda de música, e decorada e iluminada por rodas de fogo, girândolas, morteiros, foguetes, bombas, explodindo no céu em glória aos santos. No céu, muitos balões. No tempo não havia horas.
O município de Iguatu, distante cerca de 380 km da capital Fortaleza, cresceu e evoluiu, hoje é considerado a capital do Centro-Sul, terra da telha e do algodão, mas também do comércio, da indústria, da cultura, de Senhora Sant’Ana, do Márcio, da Fátima, da Raquel, do Gustavo, da Letícia, da Nara, Iguatu é a cidade de toda a gente que continua a escrever a sua história dia a dia. Uma terra abençoada.
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