O avental e a vassoura

06/02/2021

Murilo Barroso (Poeta, cronista, aprendiz de Patativa)

 

Poxa, como é exaustivo o trabalho das Rosas! Elas, literalmente, se despetalam a serviço dos ajardinados. Suas atividades domésticas são rotineiras, ininterruptas, árduas e às vezes, injustamente, desvalorizadas.

O avental e a vassoura são meras ferramentas coadjuvantes no arsenal de utensílios domésticos manuseado na laboriosa missão das rainhas do lar. Esse título conota eufemismo, visto que há uma inversão de valores, pois observamos que as intituladas vivem como súditas a mercê de seus fiéis dependentes. Esses indivíduos beneficiários nunca, ou quase, se solidarizam à luta dessas bravas serviçais.

As Rosas começam seu dia fazendo o café, cujo aroma irresistível é capaz de acordar o sol. Simultaneamente, fazem a tapioca ou o bolo ou o cuscuz; ajeitam o leite ou o chá e/ou o suco; podendo ainda ir à padaria comprar pãezinhos. O importante e imprescindível é preparar a primeira refeição daqueles que ainda dormem profundamente, pois sabem que ao acordarem tudo estará pronto. A mesa é posta com tudo que dispõe essa responsabilíssima senhora. Parece que um despertador é acionado. Acordam-se. Fazem suas higienes pessoais e se sentam apetitosos e descansados. A essa altura do campeonato, as Rosas já têm umas duas horas de trabalho. Os saciados e bem vestidos vão para seus compromissos de emprego, escola, etc. Esses, sim, têm horário certo, diferentemente de quase todas elas, exceto aquelas regidas pela Lei Complementar 150 de junho de 2015, que assegurou direitos trabalhistas para a categoria profissional, uma minoria, pois a maioria é dona do próprio lar e responsável por este compromisso com direito apenas de trabalhar.

Chega a hora de tirar a mesa e levar à pia. Há bastante o que lavar. A esponja e o sabão, aos poucos, vão tirando os últimos sinais de esmalte que elas com modesta vaidade usaram para encantar seus pares. Tudo lavado. Então, é hora de tomar um fôlego? Negativo! É preciso preparar o almoço, catar o arroz, o feijão. Ajeitar temperos e verduras. Isso, enquanto vai se programando a lavagem de roupa, pois todos querem e precisam estar limpos e arrumados, diariamente. Elas conseguem agir como máquinas humanas e se abastecem de uma coragem inesgotável para dar conta do recado.

É meio-dia. Hora de botar a mesa para o almoço, afinal seus clientes chegaram. Eles precisam comer e descansar pelo menos uma hora antes de retornarem ao segundo expediente para mais uma jornada de quatro horas. A operação é exitosa. Nesse momento já se foram sete horas espinhosas na labuta das Rosas. Mesa desocupada. Indolente, espera a pia para entrar com sua segunda operação de lavagem. É aí que desaparece o restante da pintura das unhas. Finalmente, encerra-se a luta do primeiro expediente. Tomam um banho. Sentam-se alguns minutos já pensando no que fazer para o jantar e nas roupas lavadas que secaram, mas precisam ser engomadas. Nesse ínterim, nem mesmo o descanso mental lhes acontece. Mãos à obra, outra vez. As criaturas de Deus e escravas da labuta botam o ferro para aquecer, pegam a vassoura, o espanador, afinal a faxina não pode ficar fora dessa irrisória pauta de atividades caseiras. Tudo tem que acontecer rapidamente, a tarde é curta. Aproxima-se o jantar. Bom, roupa engomada, casa varrida, chega a terceira vez do fogão. Meu Deus! Perguntam: o que fazer para a ceia noturna? Sobrou um pouco disso, um pouco daquilo, mas não é suficiente. As cabeças brilhantes, inclusive de suor, criam soluções e a culinária nas enfadadas mãos de fada geram sabores gastronômicos que enchem de apetite, seus devoradores, cujas missões do dia já foram concluídas. Para esses, agora é só comer e repousar à frente da televisão, lendo um livro ou navegando nas redes sociais. Jantar concluído e a mesa é tirada e levada à pia. Nesse instante a carga horária do roseiral já é de quatorze horas, praticamente, sem intermitências. Talvez, após lavar a louça elas possam repousar, a não ser que alguém ainda queria um lanche antes de dormir. De qualquer modo, elas ficam a postos, embora muito cansadas. Uma vantagem é que não precisam se preocupar com o dia seguinte, ou seja, no que fazer, pois tudo se repetirá até caírem as últimas pétalas das rainhas.

Por que as Rosas? Porque tem a Rosa específica do lar, a Rosa que presta serviço ao lar e o mais absurdo ainda, a Rosa que além de tudo trabalha fora para ajudar na compra do café que viciou o sol com seu irresistível aroma.

As Rosas não contratadas só descansam algumas horas aos domingos quando vão a uma celebração religiosa ou quando adoecem gravemente, pois não basta apenas uma “gripezinha” como alguém, irresponsavelmente, ironizou.

Cansei apenas narrando. O texto é exaurível. Creio que você também se cansará.

O mestre Erasmo falou tudo ao dizer: “Sou forte, mas não chego aos seus pés”.

Aqui nos resta a coragem de dizer:

Flores para as Rosas.

Rosas e margaridas…

Para as rainhas laboriosas,

Que ajardinam nossas vidas.

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