Elas são o retrato de uma vida inteira. Maria de Lourdes Nogueira, ‘Lurdinha’, 86, e Maria do Socorro Nogueira, 83. Uma, professora aposentada, a outra, uma simples costureira.
Da carreira profissional, Maria do Socorro é um currículo de orgulho. Deu grande contribuição à sociedade de Iguatu, como educadora. Foi supervisora da CREDE-16, das escolas Carlos de Gouvêa e Amélia Figueiredo. Foi professora dos colégios Adauto Bezerra, Ruy Barbosa, Escola Técnica de Comércio, Adahil Barreto, São José e trabalhou também por dois anos na escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro Prado. Formada em Pedagogia, fez curso de ‘Supervisão’ em Colatina/ES. Trabalhou como diretora do Departamento de Educação do município (quando ainda não havia a Secretaria de Educação), época que ela lembra com orgulho e saudade. “Gostei muito de trabalhar como professora e tenho muito orgulho dos profissionais que ajudei a formar, eles estão por aí, são médicos, advogados, bancários, engenheiros, comerciantes, professores”, revelou.
Lourdinha, de sua carreira profissional, guarda retalhos muitos. Trabalhou como ‘modista’ e costureira por uma vida inteira. Há mais de uma década aposentou a máquina de costura, mas o equipamento ainda está intacto, guardado, como uma lembrança viva dos tempos de longas jornadas em que ficava costurando roupas para vestir famílias inteiras. “Naquela época, tudo era feito na máquina, em casa, as pessoas compravam tecido e encomendavam para fazer tudo, desde as peças íntimas, até as calças, blusas, vestidos, saias e outras peças”, lembrou.
Amor mais profundo
Duas irmãs que expressam o amor mais profundo, uma pela outra, pois dividem o mesmo teto desde que vieram ao mundo. “Eu sei que ela me ama, assim como eu a amo também. Somos duas irmãs que nutrimos amor uma pela outra”, disse Maria do Socorro.
Socorro, mulher viajada, já conheceu o Brasil, quase que por inteiro, visitou pelo menos quatro países europeus, mas sempre voltava para o seio de casa, o endereço nunca esquecido, da casa de nº 678, da Rua 15 de novembro. Aquela casa para ela e a irmã Lurdinha sempre foi um porto seguro. Foi adquirida com muito esforço pelo pai, José Severo, e se tornou um lugar agradável e prazeroso para viver. Quando a família ali chegou, eram tempos ainda remotos, “lugar de poucos imóveis, muito mato e lagoa”, lembrou Maria de Lourdes. Segundo ela, naqueles áureos tempos a cidade estava em formação. Apenas três automóveis existiam, pertencentes a Braz Papaléo, Alfredo Alves e Dr. Gouvêa.
Talvez o maior presente e o privilégio das duas irmãs e da família tenham sido morar vizinho a um dos homens públicos mais íntegros da história, o médico humanitário, ex-prefeito e líder político, Dr. Gouvêa. É pena que a casa onde Dr. Gouvêa e o sobrinho dele, Dr. Edson Gouvêa, viveram está em total estado de abandono. Desde que Dr. Edson faleceu o imóvel está fechado e se deteriorando. Objetos pessoais do tio e sobrinho, que ainda restaram, também estão abandonados e tendem a se deteriorar.
Voltando para as irmãs, Socorro e Lurdinha, talvez o amor de irmãs tenha se nutrido ainda mais, de uma pela outra, porque ficaram órfãs de mãe muito cedo. Socorro tinha seis anos e Lurdinha, 11, quando a mamãe delas, Antônia Nogueira de Melo, se foi. O pai José Severo Chaves casou-se novamente e deu a elas mais duas irmãs. Ao todo era uma família de 09 irmãos, 07 do primeiro casamento e 02 do segundo. Lourdes, Socorro, Afonso, Ana Lúcia e Joana, são os irmãos vivos, os falecidos são José Nogueira, Francisco Nogueira, Regina, Estela Nogueira e Antônia Nogueira Chaves.
Solteiras
Maria de Lourdes e Maria do Socorro são duas irmãs solteiras. Moram na mesma casa e dividem tudo: os espaços, o ar, a rotina, compartilham alegrias, mau humor, aroma, perfume, a mesa do jantar e tudo que a rotina lhes dá. Nem uma das duas casou. Este tipo de relacionamento nunca entrou na vida delas, porque simplesmente não entrou, nunca aconteceu, e isso, sinceramente, não parece incomodar. As irmãs admitem que até tiveram namorados, é verdade, mas os romances não vingaram, perderam-se pelo caminho e os possíveis casamentos também ficaram para trás. Sem casamento, sem filhos, mas em compensação ganharam 22 sobrinhos, os filhos dos irmãos. “Sou feliz, mesmo sem casamento. Meus sobrinhos são como filhos”, disse Socorro.
Quando o trabalho é uma página virada, a vida para Socorro e Lurdinha é um presente que se renova a cada dia. Rotina que não cansa, tempo para tudo, do café-da-manhã, ao almoço, o cochilo da tarde, até o jantar leve no começo de noite. Sentar na calçada para papear com a vizinhança é tradição, sem descuidar do noticioso e da novela das 21h. Para os vizinhos, as duas são como ‘joias de rara existência’, muito amadas pelas pessoas. As duas são como as ‘celebridades’ da Rua 15 de novembro. Quando estão na calçada, difícil passar alguém que as conheça para não parar e conversar um pouco. É assim a vida delas. Um pouco de cada coisa, uma rotina de calmaria, por sinal, muito merecida, para duas mulheres que já se debruçaram paulatinamente sobre labuta de trabalho e esforço, para cooperar com a sociedade iguatuense, ao longo de décadas.
As duas irmãs vivem confortavelmente instaladas e administram a cozinha da casa. Por decisão das duas, não há empregada doméstica para cuidar do preparo das refeições. Elas têm uma auxiliar que cumpre jornada diária na casa, mas apenas para fazer o trabalho de limpeza. Os alimentos, elas mesmas se encarregam de fazer. Maria do Socorro parece ter um livro de receitas na memória. Saladas, temperos, carnes magras, pouco sal, menos açúcar e lá estão os pratos do cardápio, muito saudável, o que ajuda a manter a saúde em dia, sem apelar para os exageros. Elas são caprichosas com o preparo da comida e muito disciplinadas com os horários das refeições, o que é muito importante para o corpo saudável. Também seguem à risca os horários para dormir. Uma boa leitura sempre está no fim da rotina de casa dia que termina.
A pandemia manteve as duas irmãs ainda mais isoladas em casa. As saídas são poucas e limitadas. Maria do Socorro é quem ainda sai mais para ir ao supermercado, aos órgãos públicos onde trabalhou para resolver pendências de seu benefício previdenciário e outras coisas do tipo.
Sem celular
Por incrível que pareça, as duas irmãs não têm telefone celular, nem WhatsApp, não frequentam redes sociais, nem grupos de amigos e parecem viver muito bem sem isso. Para elas, a vida é bem mais simples e fácil de viver, se não tiverem que adoecer com o veneno das redes sociais ou com as postagens de violência que enchem as telas dos celulares a todo instante. Elas são felizes do jeito delas, vivendo na casa onde nasceram e cresceram e por onde caminharam por toda existência.
Maria do Socorro revelou que não usar celular ou rede social não afeta em nada sua rotina. “Vida normal eu tenho, é uma rotina saudável, gosto de viver cada dia como se fosse único, faço coisas simples que me dão alegria e prazer, como cozinhar, sentar na calçada, assistir TV, rezar, para agradecer a Deus a vida linda e maravilhosa que ele nos deu”.
Assim como Maria do Socorro, Lourdinha também não usa telefone celular, mas preserva um hábito antigo que não larga por nada, as revistinhas de ‘caça-palavras’. “É minha diversão mais autêntica”, reforça ela. Na casa, por todos os cômodos e por cima dos móveis é possível encontrar as revistas que Lourdes usa para sua diversão, entretenimento e conhecimento, pois admite que caçar palavras formadas naquele emaranhado de letras, além de desafiador é também um modo de aprender sobre história, coisas, objetos, pessoas e lugares.
A Praça
As irmãs Nogueira são assinantes e leitoras assíduas do A Praça desde a sua fundação em 2001. Cena comum é vê-las lendo o jornal A Praça sentadas na calçada de sua residência na Rua 15 de novembro.
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