Qualquer pessoa minimamente interessada em Arte haverá de saber: se a princípio a escultura monolítica, nascida da técnica do entalhe, prescindia de uma relação rigorosa com o elemento ‘espaço’, pelo menos na perspectiva do local escolhido para a sua implantação, a exemplo do que se pode observar em estilos de época como o Renascimento ou mesmo o Barroco, a partir do século XX esta tradição foi rompida e o espaço tornou-se elemento indispensável para a concepção, composição e localização da escultura moderna.
Pelos anos 1960, como a fornecer provas incontestes do que se afirma aqui, manifestos minimalistas empenharam-se em evidenciar a importância dessas relações externas da escultura com o espaço físico. A discussão ganhou prestígio acadêmico e artistas do mundo inteiro produziram obras em que a preocupação com o espaço ombreou-se aos demais elementos estéticos ligados a essa produção escultórica, numa conquista que ressignificou a linguagem e serviu para embelezar ambientes, praças, avenidas, cidades… através dos tempos.
Não é o que ocorre, no entanto, mesmo em instituições às quais é natural que caiba zelar pela preservação da obra de arte e dispensar cuidados com a adequada exploração de suas potencialidades.
Pelo menos quando esta instituição é a Universidade Federal do Ceará de alguns anos até aqui. É o que ocorre, infelizmente, com a obra “Quadrados”, de Sérvulo Esmeraldo, produzida em 1987, a pedido da própria Universidade, para compor o conjunto visual de acesso ao campus pela Av. Humberto Monte.
Realizada em aço, “Quadrados”, como o próprio nome sugere, é composta de inúmeros quadrados vazados, sugestivamente sobrepostos, ensejando uma visão de profundidade e articulação rítmica dos seus elementos constitutivos de modo a resultar numa ilusória e fascinante sensação de movimento para quem chega ao campus da UFC. Esse movimento é mesmo a alma sensorial da obra, sua força estética, sem a qual perde o seu vigor, sua exatidão geométrica e sua poesia cinemática.
Parcialmente coberta por um abrigo, num ponto de ônibus existente na praça Prisco Bezerra, quando da execução de um projeto de requalificação levado a efeito por meio de um convênio entre a Prefeitura e a Universidade, a obra de Sérvulo Esmeraldo perdeu com isso a sua vitalidade cinética particular, reduzindo-se a incompletos enquadramentos visuais intercalados que nada dizem aos que trafegam a sua frente.
O problema, que acima de tudo espelha o descaso para com o patrimônio artístico da cidade, bem ao gosto do que é mesmo uma marca do Brasil político contemporâneo, em que a cultura e a Arte não passam de um tipo de estorvo a ser sistematicamente desqualificado por aqueles que governam, vem sendo objeto de protestos até aqui inobservados. Há algum tempo, quando da gestão do ex-Reitor Jesualdo Farias, o professor e intelectual Auto Filho envidou reiterados esforços a fim de encontrar uma alternativa de ação para o que considera um crime contra a arte de um grande artista cearense. Na esteira disso, a viúva do artista, Dodora Guimarães, tem recorrido a diferentes instâncias em favor da retirada do abrigo de ônibus a fim de que a escultura “Quadrados” volte a respirar em toda a sua pujança.
É inadmissível, revoltante mesmo, que uma obra de arte assinada por um artista cearense reconhecido além-fronteiras, venha sendo relegada a descaso e grosseira omissão de cariz reacionário por parte do atual Reitor.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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