Eterno pastor

29/05/2021

Iguatu Antigo
Por Emmanuel Montenegro

Há cerca de 15 meses partia para a eternidade, aos 94 anos, Dom José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago, Bispo Emérito diocesano, que faria aniversário no último dia 14. Dom Mauro chegou à Terra da Telha no início da década de 1960, para se tornar o primeiro bispo da Diocese de Iguatu.

“Aos quatro dias de fevereiro do ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1962, sob a presidência de S. Excia. e Revdma. o Snr. Arcebispo Metropolitano, D. Antônio de Almeida Lustosa, por delegação do Exmo. e Revdma. Snr. Núncio Apostólico no Brasil, D. Armando Lombardi, e com as presenças S.S. Excias. E Revdmas. Snr. Bispo do Crato, D. Vicente de Paulo Araújo Matos; Snr. D. José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago, Bispo Eleito de Iguatu e o Snr. D. Aureliano Matos, Bispo de Limoeiro do Norte, procedeu-se a EREÇÃO CANÔNICA DA DIOCESE DE IGUATU.

Às 7:30 do dia supramencionado, em cortejo saído da Residência Episcopal, os Exmos. Snrs. Bispos presentes, Clero, Autoridades e Povo dirigiram-se à Igreja-Catedral para dar início às Solenes Cerimônias de EREÇÃO da Nova Diocese.” (Trecho da ata de ereção canônica da Diocese de Iguatu. R. Batista Aragão. In: Iguatu História, p.57)

Iguatu era uma cidade moderna de mais de 16 mil habitantes, com iluminação de fios subterrâneos, ruas calçadas a paralelepípedo e praças arborizadas e bem cuidadas, quando, em 3 de fevereiro de 1962, aqui veio residir José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago, bispo da recém-criada Diocese de Iguatu, desmembrada da Diocese do Crato.

Nascido em Russas, interior do Ceará, em 14 de maio de 1925, filho do farmacêutico José Ramalho de Alarcón Santiago, então prefeito daquela cidade, e de Maria Ramalho de Alarcón Santiago, José Mauro Ramalho de Alarcón e Santiago deixava o paroquiato em Aracati, no litoral cearense, para assumir o governo pastoral da Diocese de Iguatu, atendendo à missão designada pelo papa João XXIII. Desde a sua ordenação aos 23 anos de idade, com formação em Filosofia e Teologia, no Seminário da Prainha, em Fortaleza, o jovem pastor exercera 13 anos de sacerdócio – cinco como diretor do Ginásio Diocesano de Limoeiro do Norte e dois como capelão do Seminário Marista de Aracati, vindo a assumir o posto de vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Aracati.

Legado

Em Iguatu, Dom Mauro, como ficou conhecido, construiu legado de realizações em prol da evangelização, com marcante atuação frente às questões sociais. “Reple Cordis intima” (Enchei o íntimo do coração) era o seu lema episcopal. Instalou as bases da Diocese, com iniciativas como a criação de departamentos do Bispado e do Boletim da Diocese; foi responsável pela fundação da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, do Centro de Treinamento, do Seminário, da Residência Episcopal e da Escola de Catequese; comandou o programa de rádio A Voz do Pastor e compôs o Hino de Senhora Sant´Ana – tinha talento musical, sendo autor de diversas canções; liderou campanha em favor de indenizações para antigos proprietários da bacia do açude Trussu e ajudou na formação de bairros como o de Vila Centenária; mobilizou a comunidade e autoridades pela instalação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras (FECLI). Estas são algumas de suas realizações no decorrer dos 38 anos em que esteve à frente da Diocese, tendo participado, a convite do papa João XXIII, do Concílio Vaticano II, realizado entre os anos de 1962 e 1965 com a presença da quase totalidade dos bispos católicos do mundo, visando o “agiornamento” (“modernização”) da Igreja.

Incansável

No ano em que celebrava seu Jubileu de Prata Episcopal, foi tema de crônica do padre Antônio Vieira, na coluna “Bom Dia, meu Irmão”, do jornal O Povo, publicada em 3 de janeiro de 1987. Escreveu o padre Vieira a seguinte passagem: “Administrando uma diocese com extensão geográfica bem significativa, muito maior do que muitos países europeus, e contando com reduzido número de sacerdotes, ele faz diariamente o milagre da pesca maravilhosa do lago de Tiberíades ou a multiplicação dos pães no deserto, deslocando-se para as cidades, vilarejos, zona rural a fim de prestar assistência religiosa ou de participar de uma reunião das comunidades de base, além dos encontros de atualização catequética, que sempre promove na sede episcopal com a presença e participação dos dirigentes e membros das comunidades rurais.

O Bispo de Iguatu é incansável na sua missão pastoral, pois, há domingos ou dias santos em que celebra em três cidades diferentes, fazendo assim as funções de vigário para não deixar o povo sem a necessária e oportuna assistência espiritual. Todos os dias, através de duas rádios locais, leva a sua mensagem de fé, de otimismo, de esperanças, de conforto a toda Região, numa convivência bem profunda e eficiente tanto pela simplicidade da linguagem como pela oportunidade dos ensinamentos.”

 

Bispo Emérito

Dom Mauro teve a sua resignação publicada em 26 de julho de 2000. Recebeu o título de Bispo Emérito da Diocese de Iguatu, de acordo com o Código de Direito Canônico (CDC), que estabelece a idade de 75 anos para a apresentação do pedido de renúncia ao papa.

Em 2012, comemorou o Jubileu de Ouro de ereção canônica da Diocese de Iguatu. Naquele mesmo ano, concelebrou com o Papa Bento XVI a missa de abertura do Ano da Fé, na Praça São Pedro, no Vaticano. Celebrou seu Jubileu de Platina Episcopal com missa solene na Igreja Matriz de Senhora Sant’Ana. Morava então na casa construída especialmente para ele, na avenida Rui Barbosa, 539, no bairro São Sebastião, após ter deixado o governo do bispado da Diocese. Hoje, o imóvel abriga o “Instituto Memorial e de Promoção Humana, Dom José Mauro Ramalho de Alarcon e Santiago”, inaugurado em dezembro do ano passado, com o intuito de preservar a memória daquele que dedicou sua vida a praticar o amor ao próximo e incondicional ao ser humano. A instituição é presidida pela professora Socorro Pinheiro, que ainda é a autora do livro “A Voz do Pastor Dom José Mauro Ramalho”, lançado em 2010, que narra a história de vida do russano radicado em Iguatu e traz depoimentos de familiares, amigos e admiradores. Neste mês, ato religioso na sede do instituto celebrou a memória e nascimento de Dom Mauro, falecido na tarde da segunda-feira, 9 de dezembro de 2019, vítima de quadro pulmonar infeccioso grave.

Ele conduziu com equilíbrio sua vida e missão sacerdotal, com abnegação e sacrifício de si, guiado pelo Espírito Santo e em sintonia com a CNBB e o Papa. Permanece na história e na memória de Iguatu e do Centro-Sul do Ceará.

 

Paz e bem-estar

Lembro-me de Dom Mauro. Ele costumava visitar meu avô Sabino em sua casa na praça da Matriz, onde morei até os meus 11 anos. Chegava sempre de sorriso no rosto, conversava com meu avô por horas com sua voz pausada e calma, mãos postas com dedos unidos, numa atitude de constante serenidade. Eu os observava de longe e, por vezes, sentava-me próximo a eles, sentindo naqueles momentos paz e bem-estar. Até hoje guardo na memória essa imagem de Dom Mauro, que deixo registrada aqui em palavras, contando um pouco de sua história, como homenagem ao bom pastor.

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