Iguatu Antigo: Cine Iguatu

26/06/2021

Por Emmanuel Montenegro

Faz já algum tempo que não é possível sentar-se no escurinho do cinema em Iguatu, para a tristeza dos cinéfilos locais. A chegada do cinema, uma das formas mais apreciadas de entretenimento no mundo desde a sua invenção no final do século XIX, pelos irmãos Lumière, causou inúmeras mudanças culturais. Na Terra da Telha não foi diferente.

Relatos dão conta de projeções de imagens na igreja Matriz de Senhora Santana, provavelmente de cunho religioso, até a abertura de espaço apropriado pertencente ao comerciante e industrial assírio-libanês Theophilo Handan em sociedade com Alfredo Barreto de Carvalho, que ficaria registrada como a primeira sala de cinema da cidade, o Cine-Theatro Iguatu, funcionando a partir da década de 1920, em prédio situado na praça Demóstenes de Carvalho (Abrigo Metálico). Transferiu-se depois para a rua do Fogo, hoje rua Floriano Peixoto, esquina com a atual rua 23 de Novembro.

Em seu livro “Iguatu – dando nova vida ao que vi, ouvi, li, falaram, me disseram”, o historiador Wilson Holanda Lima Verde descreveu o Cine-Theatro: “Estruturado com um moderno maquinário e contando com o aparelhamento de 400 poltronas, palco e espaço bem definido para funcionamento da Banda de Música, visto que tal fato acontecia ainda na época do cinema mudo”.

O cinema exibia filmes em duas sessões, às 18h e às 20h; nos intervalos, havia apresentação da banda municipal, conhecida como “a furiosa”, que encerrava a música ao surgimento da primeira imagem na tela. Era frequentado por toda a sociedade iguatuense, já que não havia ainda os clubes, sendo o lazer na cidade restrito às sessões de cinema e às festas juninas e religiosas. Ali também se realizavam peças teatrais, de grupos locais e itinerantes. Grandes nomes da arte cênica nacional, como Procópio Ferreira e sua filha Bibi atuaram no palco do Cine-Theatro Iguatu.

No curso dos anos, o empreendimento foi adquirido pelo comerciante e poeta João Alves Rocha, recebendo a denominação de Cine-Theatro Guarany. Funcionou como único cinema da cidade até o ano de 1953, quando foi inaugurado o Cine Sá, durante as comemorações pelo centenário do município.

De propriedade do relojoeiro recifense Manoel Alves de Sá, o cinema ficava na rua Dr. João Pessoa, em frente à praça Coronel Cícero Belizário, denominada hoje de Praça da Bandeira, e foi equipado com o que havia de mais moderno à época em termos de imagens, um projetor portátil de 16mm. O Cine-Theatro Iguatu vai perdendo público até fechar as portas na década de 1960. Na década seguinte, o prédio seria demolido, para dar lugar ao edifício sede da empresa de telecomunicações Telemar.

Por meio de concurso realizado com o público frequentador do Cine Sá, o cinema muda seu nome para Cine Alvorada – o vencedor foi premiado com um ano de sessões de graça com acompanhante. Em dias de lançamento ou de exibição de clássicos a sala ficava lotada, chegando a exceder o número de 410 poltronas disponíveis, sendo o andar superior priorizado para a elite, políticos e visitantes.

Certa noite, depois de encerrada a sessão das 22h, ouviu-se estrondo com o desabamento do teto, que destruiu a tela e boa parte de sua estrutura mobiliária, deixando intactas a cabine de projeção e o maquinário. Após quatro meses de reforma, o projetor foi substituído pelo modelo de 35mm, já nos anos 1970.

A seleção de filmes era feita em parceria com a distribuidora Luiz Severiano Ribeiro e os rolos de película, aguardados com bastante entusiasmo pelo público que via os cartazes dos filmes na entrada do cinema, chegavam de trem. Os lançamentos ocorriam aos domingos, assim como as matinês, com exibição de filmes na parte da manhã, voltada para o público infantil, e da tarde; nos dias da semana e aos sábados havia duas sessões dedicadas aos lançamentos e a clássicos, como “E o vento levou”, “Ben Hur” e “Os 10 Mandamentos”. Outros cinemas surgiram: o Cine União, da União Artística Iguatuense, em 1958; e o Cine São José, em sala arrendada no prédio do Círculo Operário de Iguatu, por Eneas Paulino, por volta de 1968 ou 1969. Estes, porém, funcionariam por pouco tempo.

Ainda na década de 1970, começaram a aparecer na cidade as TVs, uma delas foi instalada em frente ao Cine Alvorada, na Praça Cel. Belizário, com a exibição de novelas nacionais. E o cinema, já então um lazer de fácil acesso da população, ganhou um forte concorrente, que anos mais tarde levaria a melhor, sobretudo após a chegada dos videocassetes e das locadoras de vídeo.

Mas antes disso, Iguatu ganhou um cinema de porte, eleito em concursos como o melhor do interior do estado e construído pelo ex-proprietário do Cine São José, Eneas Paulino. Situado à praça D. Pedro II, atual Praça da Matriz, o Cine Coliseu foi inaugurado em 25 de dezembro de 1974, com o filme A Grande Valsa, sala de exibição para 800 pessoas e cabine de projeção equipada com duas máquinas 35mm, estrutura superior ao do Cine Alvorada, que no fim dos anos 1970 encerraria as atividades. No Coliseu, eram exibidos filmes religiosos, a exemplo de “Os 10 Mandamentos”; épicos como “Cleópatra”; comédias nacionais como as d’Os Trapalhões; artes marciais com Bruce Lee; westerns italianos; chanchadas e, próximo ao seu fechamento, as pornochanchadas, na década de 1980.

Novo cinema só iria surgir na década de 2000, o Cine Asa Branca, empreendimento do empresário Antonio Nelson Moreno que funcionou por curto período no shopping de mesmo nome, também extinto. Em 2007, o Cine Asa Branca exibiu “O Céu de Suely”, filme premiado do diretor Karim Aïnouz que teve Iguatu como cenário das locações, gravado dois anos antes. Na época, a sala de cinema do shopping foi ativada provisoriamente para a exibição, em sessões especiais, com entrada franca, que tiveram ainda a participação da protagonista do filme, Hermila Guedes.

Diante as transformações sociais, econômicas e do próprio setor cinematográfico, além dos já citados adventos da televisão e do videocassete, e, mais recente, dos serviços de streaming, os bons tempos do cinema em Iguatu terminaram, restando a ação de bravos e apaixonados pela sétima arte que investem seu tempo e dinheiro na magia da tela grande. São eles: Kamille Costa e César Teixeira, produtores culturais e cineastas iguatuenses que estão à frente da Mostra de Cinema de Iguatu, sucesso de público e de crítica, que este ano chegou à sua oitava edição e foi realizada de forma on-line. Nas edições anteriores, a programação ocorreu na Unidade Iguatu do Sesc, no Galpão da Cia Ortaet de Teatro e no Teatro Pedro Lima Verde, com exibições de curtas e longas metragens, além de oficinas e premiação com o troféu Água Boa.

Iguatu está entre os 10 municípios do interior beneficiados pelo projeto “Cinema da Cidade”, componente do Programa Cinema Perto de Você e executado por meio de parceria entre a Secretaria da Cultura (Secult) e a Agência Nacional de Cinema (Ancine). A ação faz parte do Programa Estadual de Desenvolvimento Audiovisual e da Arte e Cultura Digital, o Ceará Filmes. Estamos no aguardo. Um dia o cinema há de retornar à cidade.

Eu costumava assistir aos filmes de karatê e d’Os Trapalhões aos domingos no Cine Coliseu, com longas filas na entrada, sala lotada e público sentado pelo chão dos corredores. Belos tempos da infância que ficaram marcados na memória. Até hoje me faço a pergunta: por que os cinemas fecharam definitivamente em Iguatu?

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