Quandoque bonus Homerus dormitat. “Ainda que bom, Homero cochila”.Até os maiores mestres, os renomados gramáticos podem errar. Humanum est.Comecemos pelo mais eminente deles, a quem seguimos como o magister dixit.Napoleão Mendes de Almeida, em sua definitiva Gramática Metódica da Língua Portuguesa, à página 28, observação b do parágrafo 50 afirma que o substantivo “ruído” é (sic) “ditongo crescente”. Veniam Napoleoni demus.Perdoemos ao mestre. Ruído é sabidamente um hiato e disto é prova cabal a vogal i sozinha na sílaba recebendo obrigatoriamente o acento agudo.
Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras, também cometeu erro a respeito de uma conhecida expressão usada quando entregamos algo a alguém pessoalmente. Em sua obra Na Ponta da Língua, à página 32, defende que digamos “entregar em mão”, em vez de “em mãos”. Argumenta que, por paralelismo, não ficamos “em pés”, mas “em pé”. Equívoco lamentável. É erro dizer “em mão”. Basta recorrer ao latim, às Epistulae de Cícero, por exemplo. Quando o mestre da prosa latina endereçava uma missiva e a entregava em pessoa, escrevia in manibus tuis. Em tuas mãos, no plural. É risível inclusive inquirir sobre se recebemos o objeto com uma ou com as duas mãos. Há nesta expressão, inclusive, uma sutil metonímia, uma contiguidade entre as mãos (parte do corpo) e a pessoa (ente integral), o que ratifica o plural, além deste andamento numérico ser mais eufônico. “Em mãos” é o certo.
Sempre evitemos, leitor, os modismos linguísticos. Sempre são danosos ao vernáculo e empobrecem o estilo. Há algum tempo, por pura moda, ficou corrente dizer “risco de morte” como expressão correta por oposição ao suposto errado “risco de vida”. Nos modismos, como sói acontecer, as explicações são frágeis ou até inexistentes. Partem geralmente do vulgo ignaro, do senso comum, da desprezível cultura de massa. Saiba o leitor: ambas as formas estão corretas. A segunda até parece-nos preferível, mais de acordo com as raízes clássicas. Aqueles que a condenam, ingenuamente defendem que o risco não seria na vida, mas na possibilidade de perdê-la. Tolo argumento. Desconhecimento da semântica prepositiva. A preposição “de” nas locuções adjetivas também pode indicar finalidade. Como em “estrada de passeio”. Dizer “risco de vida” está inteiramente correto, pois significa risco para a vida. A fonte latina não escreveria periculum mortis, cuja tradução é “o perigo da morte”. Escreveria periculum vitae, “perigo ou risco para/de vida”.
Senhor, livrai-nos sempre dos perigos do mau uso do idioma!
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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