Ismael Oliveira (Estudante de Psicologia – PUC Minas)
Em dezembro, com a chegada das festas de fim de ano, somos banhados por uma lógica, por vezes agressiva, de renovação do guarda-roupas e compra de novos produtos, já que os antigos julgamos ultrapassados. Trocar o celular, a TV, a cama e o “look” faz parte da agenda de muitos. Infelizmente para outros isso é uma utopia quase que impossível de ser ao menos pensada. Sim, estamos em uma cultura capitalista baseada no acúmulo para alguns e quase nada para tantos outros. A última parcela é sempre maior, pois cresce em nosso meio, frente aos recentes dados dos diversos institutos de pesquisa, o desemprego e a insegurança alimentar, também conhecida por FOME, que gera a desnutrição. Vejam que anacrônico ao nosso senso de humanidade! Alguns poucos (são poucos se a comparação for com todos aqueles que nem sequer sabem se farão alguma refeição amanhã) planejam trocar seus vestuários e eletrodomésticos ao mesmo tempo que uma multidão deseja simplesmente comer, saciar um dos desejos mais desagradáveis, se acumulado, que o ser humano pode enfrentar: exatamente o desejo de matar, como diz o dito popular, “aquilo que está lhe matando”, ou seja, matar a fome.
Em contrapartida, vantajosas campanhas anualmente proliferam em nosso meio um espírito que tem se tornado “Espírito Natalino”, que em resumo visa a arrecadação de alimentos não-perecíveis, brinquedos, roupas, enfim, doações. Como dito, seres humanos estão a minguar sem ter o que comer, o que vestir. Há em nosso meio pessoas que, pela culpa de muitos nossos, inclusive minha e sua, perderam o semblante de vida humana. Ao nosso redor, e felizmente temos campanhas exitosas de doação de comida, pessoas não mais esperançam viver, contentam-se com a sobrevivência. Pergunto: quando vamos questionar os reais motivos por existir, ainda que a terra disponha tamanha fartura, tanta sobrevida e fome? Por que tantos ainda podem sonhar com o novo celular lançado ontem pela Apple e muitos outros nem sequer vão, em toda sua vida, conseguir fazer uma ligação telefônica para falar, pela última vez, com um parente ou amigo distante? É possível construir um mundo novo onde todos e todas poderão viver e conviver como pessoas iguais, sem essas diferenças criadas por nós mesmos em vista de transformar o que é coletivo em algo individual e egoísta?
É fato, o Natal é época propícia de investimento em nosso lado caritativo, bondoso, cuidadoso, afetivo, mas ele também gera, ao menos tem gerado em mim e em alguns outros que buscam transformar essa nossa dura e perversa realidade, inconformidade com esse sistema destruidor de vidas e de sonhos. As perguntas acima poderão nos ajudar como pistas para adesão à solidariedade a longo prazo, não somente aquela que é pontual, e que também é necessária, pois Betinho já nos ensinou que “quem tem fome tem pressa”.
Apressemo-nos para que essa fragilidade que nós cristãos olhamos no menino-Deus nascido e colocado num curral de animais seja mais incidente em nossa prática. O próprio Jesus sugere, em uma das suas parábolas, a do Samaritano, que é função nossa, religiosa e social, acolher os que estão caídos à margem. Não como uma caridade terceirizada, como alerta o Papa Francisco, mas através de gestos que renovem as estruturas nas quais estamos inseridos. Não é difícil olhar para si, e logo em seguida para nós, para nos percebermos viajantes da mesma viagem, buscando a felicidade. O natal não deve ser um pedacinho do ano em seu sentido externo e concreto. Ele deve ajudar-nos a aumentar em nossas realidades o desejo de transformação e de superação de desigualdades que geram a morte.
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