Simônides de Céos, a criação da Retórica e o verdadeiro Professor

06/07/2019

Sobre a criação da Retórica conta-se uma lenda peculiar. Dela foi protagonista o poeta Simônides de Céos (século V aC.). Ab illo tempore, certa vez, o rei de Céos encomendou ao citado poeta, a preço de ouro, um poema para louvar o seu esplendoroso reinado. Simônides aceitou e escreveu o poema. O monarca ofereceu um luxuoso banquete à sua corte e convidou o bardo para recitar os versos e, na solene ocasião, pagar-lhe o prometido. Assim se fez. Reunidos os nobres, lido o poema, Simônides pôs-se a explicar que a obra fora feita em duas partes. Na primeira, homenageava o rei. Na segunda, os deuses gêmeos Cástor e Pólux. Tendo ouvido isto, o rei, com sarcasmo, disse que pagaria só pela primeira parte. O pagamento pela segunda parte que o poeta fosse cobrar aos dois deuses. Imediatamente então, um servo entrou no salão dizendo que dois jovens chamavam o poeta fora do palácio. Simônides pediu licença e foi atender o chamado. Ao chegar lá fora não havia ninguém e, naquele instante, o palácio todo ruiu e todos que estavam dentro morreram, inclusive o rei.

Toda a cidade ficou consternada, em grande comoção. Sobretudo porque não poderiam enterrar decentemente os seus mortos, uma vez que estes ficaram desfigurados, em pedaços, sob os escombros. Então recorreram a Simônides, que tinha uma prodigiosa memória e lembrava-se de todos os detalhes de cada pessoa que estava no palácio antes da tragédia. Roupas, atributos, objetos, todo o cenário então foi reconstituído e as pessoas puderam identificar seus parentes e dar-lhes as exéquias com honra.

O singular mito é uma grande metáfora sobre o poder e a importância da memória para a eloquência e para o ensino. Decorar é fundamental. É tirar do coração (de+ cor). Não é concebível o aprendizado sem memorização efetiva. Bis repetita iuvant, dizia o provérbio latino: as coisas repetidas ajudam.

Assim sendo, o verdadeiro professor não é o “professor moderno”. Paulo Freire e a sua deplorável grei estão completamente equivocados. O verus magister et magnus. O verdadeiro e grande professor é protagonista sempre. Sempre detém o conhecimento. Sua aula é uma palestra segura e apoiada na memória. Jamais será escravo de ridículas mídias e tecnologias. O aluno é tabula rasa, sem luz (a _ lumen), e deve humildemente sorver o conhecimento que lhe é dado.

Rem tene verba sequntur.Tendo o conteúdo, seguem-se as palavras. O professor deve ter o saber na memória e no coração. As palavras, como melífluo néctar, brotarão. Porém jamais lidas na parede por intermédio de uma projeção visual de um reles computador. A memória e a fluente retórica sempre separarão os seguros, grandes e verdadeiros professores dos “professores modernos”.

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

MAIS Notícias
ANTIGOS ADÁGIOS LUSITANOS
ANTIGOS ADÁGIOS LUSITANOS

“Nunc mitibus quaero mutare tristia” Horatius   É cousa conteste que a obra do disserto Pe. Manuel Bernardes (1644-1710) configura-se como um dos ápices do Seiscentismo português e da própria essência vernacular. Autor de forte índole mística, consagrou toda a vida ao...

Recordatio Animae
Recordatio Animae

     “... E eu sinto-me desterrado de corações, sozinho na noite de mim próprio, chorando como um mendigo o silêncio fechado de todas as portas.” Bernardo Soares   Este poente de sonho eu já vi; As tardes dolentes e o luar... As velhas arcadas mirando o mar......

QUIDVE PETUNT ANIMAE?
QUIDVE PETUNT ANIMAE?

(Virgilius)   Lux! E jamais voltar ao sono escuro À sede da matéria... Ser uma sombra etérea, Ser o infinito o único futuro!   Não lembrar! Ter a inocência da água; Ser pedra eternamente! Tal qual o mar onde o rio deságua Em música silente......

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *