A cada ano, as mulheres ocupam profissões que num passado recente eram exclusivas dos homens. Mesmo em atividades que exigem força, as mulheres estão presentes. Um exemplo encontramos em Iguatu. Francisca Maria Anselmo, 46 anos, divide com o marido Francisco Araújo de Oliveira, 48 anos, o pesado serviço na borracharia F A, na rua Júlio Cavalcante, no bairro Flores.
O jornal A Praça vai apresentar a partir desta semana três matérias que revelam a presença feminina em atividades de chaveiro, borracheira e mecânica de moto com o objetivo de homenageá-las mediante a aproximação do Dia Internacional da Mulher, comemorado no próximo 8 de março.
“Trabalhava com meu pai, irmão e primo, na borracharia, mas eles queriam que eu fizesse apenas serviço de anotações e caixa”, contou. “Aprendi olhando eles fazer o serviço e, à noite, escondida, quando chegava uma moto com o pneu furado, eu recebia, dizendo que o conserto seria no dia seguinte, porque a oficina já estava fechada. Fazia o serviço, tirava a roda, o pneu, e remendava a câmara de ar. Depois colocava tudo no lugar”.
No dia seguinte, quando o cliente chegava à oficina, o pneu já estava consertado por Francisca Anselmo. Aos poucos, ela foi ocupando espaço, mas somente após trabalhar com o marido na oficina abraçou o trabalho de borracheira. “Fiquei mais à vontade”, explicou. “É um serviço difícil, pesado, a gente bebe muita água, mas sou persistente e fui aprendendo, consegui e hoje faço tudo só, se for necessário”.
Rotina
A rotina de trabalho é intensa. Francisca Anselmo chega à borracharia às 6h40, após fazer o café da manhã para o marido e um casal de filhos e preparar a mais nova, Maria Eugênio, 14 anos, estudante, para ir à escola. O outro filho do casal, Nayson Jónatas, 24 anos, é estudante, à noite, do curso de Direito, no campus local da Urca, e durante o dia trabalha como alinhador de automóveis em uma oficina mecânica.
“Gosto do que eu faço”, reafirma Francisca Anselmo. “Já estou acostumada e não sinto dores no corpo. Sempre fui magra e só adquiri força”. A presença de máquinas elétricas na oficina facilita o trabalho, sem exigir tanta força quanto no passado.
O namoro
Francisca Anselmo e Francisco Araújo se casaram após dois anos de namoro, em 1997. Os dois se conheceram quando eram colegas na Escola Amélia Figueiredo de Lavor e cursavam a 8ª série do ensino fundamental, em 1995.
A borracharia onde o casal trabalha já existia e era do pai de Francisca Anselmo, Antônio Luís Anselmo, conhecido por ‘Antônio Soldado’.
Francisco nasceu na localidade de Bom Lugar, em Acopiara, mas veio morar com os pais em Iguatu. Inicialmente, era marceneiro e depois voltou a ser agricultor. Após alguns anos no campo, veio trabalhar com o sogro na borracharia.
Vaidade
Francisca Anselmo garante que as mãos ficam limpas de graxa com o uso de uma pasta de sabão. “Fica bem limpinha rapidamente”, pontuou. E a vaidade? “Não sou mulher vaidosa, mas faço as unhas dos pés, mantenho as das mãos sempre bem cortadas, curtinhas e com uma base, e os cabelos sempre ajeito. Coisas que as mulheres fazem”.
O marido Francisco Araújo não reclama do serviço da mulher na oficina. “Ela sempre quis aprender, mostrou determinação e me ajuda muito”, justificou. “A gente trabalha junto e assim fica melhor, sem mais despesa com empregado. Vejo o serviço dela com naturalidade”.
E os clientes o que dizem? Francisca Anselmo nos conta: “Os homens observam e alguns fazem elogio; outros ficam admirados. As mulheres estranham e algumas sugerem que eu faça outras coisas, alegando que eu fico com as mãos sujas e o serviço é pesado”.
O moto-taxista Carlos Pereira disse que no início estranhou, mas depois ficou acostumado com o trabalho de Anselmo. “A verdade é que hoje em dia não tem mais esse negócio de separar trabalho só de homem”, disse. O agricultor Luís Freitas também entende que ficou para o passado aquela história de que lugar de mulher é em casa. “O mundo mudou e se ela gosta do que faz, tem é que trabalhar mesmo”.
Lição de vida
Francisca Anselmo deixa uma lição de vida: “Está dando tudo certo com o nosso trabalho, pois pagamos em dia as contas e não somos ambiciosos. Somos simples, agradecemos a Deus todas as noites. Tudo é bênção para nossa família. Temos saúde, trabalho, um teto, a oficina, um transporte e não somos de querer buscar muitas coisas”. O casal pretende trabalhar até quando aguentar.
Para a diretora da Associação das Mulheres de Iguatu (AMI), Eurenir Sobreira, “ainda há na sociedade atual estereótipos, mas aquele padrão antigo de mulher vista só como mãe de família ou que não pode fazer determinados serviços vem se modificando rapidamente e o preconceito perdendo força”.
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