Honório Barbosa
Especial para o A Praça
A segunda entrevista do Jornal A Praça de uma série de três sobre mulheres que enfrentam trabalhos que ainda são vistos como específicos do mundo masculino, aborda, nesta edição, a vida de uma professora com formação universitária. Ela é pioneira em Iguatu na prestação de serviços de codificação de chaves automotivas e é mais uma mulher que rompe espaço em atividade que até recentemente era exclusiva de homens: Leda, como é conhecida, mas o seu nome de batismo é Raimunda Gonçalves de Araújo, 58 anos.
Nesta quinta-feira, 24, ela foi chamada para abrir um veículo, próximo à rodoviária de Iguatu, e fazer uma chave decodificada de um Pálio. Em mais um dia de trabalho, percebeu a desconfiança da dona do veículo. O serviço demorou cerca de 30 minutos.
“Quem é que vai fazer a codificação?”; “O homem não veio?” São frases preconceituosas que Leda sempre escuta quando chega em seu carro com as máquinas e ferramentas para prestar o serviço. “Eu reajo com naturalidade”, contou. “Depois de concluído o trabalho, recebo agradecimento, os clientes mudam totalmente”.
Preconceito
Para ela, a desconfiança é fruto de um preconceito arraigado na cultura machista. No serviço mais recente, a dona do carro chegou a explicar o que era para fazer, segundo orientação que recebeu de um mecânico. “Ela chamou um rapaz para olhar eu trabalhar, mas no fim deu tudo certo”, pontuou. “O que ela queria que eu fizesse estava errado”.
O preconceito não ocorre apenas entre os clientes. No seio familiar, Leda também enfrentou queixas. “Como é que você é uma professora e vai fazer serviço de homem?”, questionaram parentes, segundo relato da chaveira. Leda é formada em Letras e tem especialização em Psicopedagogia.
Há ainda aqueles que pensam e expressam que Leda seria uma ‘mulher masculinizada’ e às vezes ela explica: “Sou mulher, feminina, fui casada e tive filhos”.
Chaveira
Ao acompanhar um parente em viagem de tratamento a Fortaleza, Leda passou em frente a uma loja especializada em venda de máquinas e matrizes de chaves. “Decidi comprar”, contou. “Foi por acaso”.
Leda viu que somente trabalhar com cópias de chaves não dava retorno financeiro e decidiu em 2018 ir a São Paulo fazer um curso especializado em codificação de chaves automotivas, abertura de veículos, controle de chaves canivetes.
“Vi que havia carência desse serviço especializado em Iguatu”, disse. “Há dois ou três profissionais, mas que só fazem serviço mais simples”. O esforço de Leda é comprar uma máquina eletrônica para atender a demanda de veículos cada vez mais modernos e computadorizados.
O serviço especializado varia entre R$ 180,00 a R$ 1.500,00 – dependendo do tipo e do ano do veículo.
Carreira profissional
Leda nasceu no entorno da Lagoa de Iguatu, filha de pais pobres, agricultor e dona de casa. Trabalhou em atividades comerciais em Iguatu – venda e controle de armas de fogo; expositora de mercadorias; e operadora de caixa.
Fez concurso público e em 1989 entrou para a carreira de magistério na rede municipal de ensino, lecionando no Colégio Padre Januário Campos (Municipal) e João Paulino de Araújo.
Trabalhou até 2014 quando se aposentou. “Não quis ficar parada e acho que o trabalho nos dá honra e enquanto puder vou continuar trabalhando porque Deus nos colocou aqui para fazermos algo, o bem”, entende. “Nas horas vagas, cuido de casa, faço comida e vou levando a vida, fluindo. Hoje estou aqui, faço isso, mas amanhã posso estar ali e ter outra atividade profissional”.
Inquieta, Leda já faz curso para ser corretora de imóveis e estuda violão. “Quando criança tinha o sonho de ser médica ou artista, mas quem nasce em família pobre não tem escolha”, frisou. “Sou feliz no que faço e trabalho com amor, quero ocupar sempre a mente”.
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