Não creio que minha dor vá passar essa manhã. Tenho tido dias terríveis e ninguém jamais notou… nem nunca irão perceber. Talvez seja apenas mais uma sazonal crise existencial. Talvez, com o tempo, tudo volte a ser como fora um dia, como quando subia nas árvores ou sentia a grama molhada do vizinho ao deitar, às escondidas, no seu jardim.
Se eu soubesse escrever como Assis, trataria de pôr-me à pena todo santo dia, pelo resto dos meus dias. Ou, se talvez soubesse moldar a argila a meu bel-prazer, modelaria as princesas, em suas belas silhuetas, e bruxas da minha vida, dando a esta última, às bruxas, o prazer de amassá-las ao fim de cada obra concluída.
Todavia, não estimulei qualquer aptidão artística. Não nutri empenho nem mesmo em se tratando da simples tarefa de viver. Até o simples ato de respirar – automático como só ele -, agora me é negado. Um tubo verde enferrujado me faz companhia, e seu barulho é infernal.
A minha família pensa que morro de medo de não recuperar a minha saúde de outrora. Na verdade, pensam muito e nada acertam sobre mim. O meu gato compreende as nuances mais atávicas e recônditas do meu ser, e minha família, nada. Gostaria em comprar um peixe, mas, por bom senso, não convêm deixar mais um órfão no meu lar.
Minha mulher, coitada, me observa com olhos miúdos e marejados. Finjo não perceber, mas a minha visão periférica sempre denuncia a sua chegada escusa por traz da cortina ou porta. Ela me observa por bons minutos, e eu permaneço interpretando um alguém solitário neste quadrado tão percorrido pela minha vista cansada.
O doutor me proibiu de beber… mas eu bebo escondido dele e da minha senhora. Felizmente, meu gato não pode falar; é com ele que tomo os meus melhores porres. Depois, deito novamente e espero horas até o cheiro se exaurir de um todo. Já não consigo mais fumar – mas gostaria muito, se os alvéolos dos meus pulmões me consentissem. Mas o tubo a qual já faz parte de mim, não me permite extravagâncias como antigamente.
Estranhamente, não consigo me ver com um alguém que desperdiçou a vida. Não guardo qualquer expectativa, é verdade, mas o tempo por mim vivido me fora formidável! Gastei minha saúde e, por conseguinte, doravante, o meu definhado existir, mas não há uma só noite em claro – tenho tido insônias terríveis, também – que assombre sugestão qualquer de vida mal vivida. Negativo! Faria tudo outra vez, como Gonzaguinha começaria.
Hoje é sopa. Vou para o banheiro. Dizem que um banho é bom para tirar o cheiro de bebida do suor. Não sei até quando, mas vou existindo um dia de cada vez…
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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