Volta e meia e a população repete uma denúncia, velha conhecida da sociedade e da imprensa: a presença de crianças e adolescentes nos semáforos trocando malabarismo, por dinheiro.
Nas últimas duas semanas o jornal A Praça foi abordado por leitores, que se dizem incomodados pelo fato de essas crianças e adolescentes permanecerem nos semáforos, sem que nunca haja a continuidade de políticas públicas eficientes, que possam gerar resultados positivos na vida dos menores e suas famílias. “O que causa estranheza é que o município está sempre dizendo que está fazendo, só que essas coisas ninguém vê acontecendo, parece mais desculpa esfarrapada para fugir do problema e não para ajudar a minimizar”, frisou um dos denunciantes.
O autônomo José Andrade Barbosa, 39, disse que fica indignado cada vez que passa pelos cruzamentos e vê as crianças e adolescentes fazendo o papel de pedintes, segundo ele, situação vexatória e humilhante, para um município onde seus governantes apregoam que ‘estamos num patamar de protagonismo’. “Isso é vergonhoso para Iguatu. Quem chega de fora, que não conhece e vê isso, sai daqui horrorizado”, acrescentou.
Deparar-se com as crianças e adolescentes, principalmente nos semáforos da Av. Perimetral, já é rotina. Eles estão nesses locais praticamente todos os dias, inclusive entram pela noite e nos finais de semana.
A reportagem do jornal esteve por duas ocasiões no semáforo da Av. Perimetral, com Av. dos Quixelôs e flagrou duas situações de crianças e adolescentes pedindo dinheiro aos transeuntes. Num dos flagrantes, uma menina e um menino, provavelmente irmãos, com idade média de 8 e 9 anos, estavam abordando os motoristas nos dois sentidos do cruzamento. Em outro flagrante, um adolescente, hoje com 16 anos, atravessou a fase de criança fazendo malabarismo em troca de dinheiro. Este já permanece no mesmo cruzamento há cerca de 6 anos. O que os denunciantes questionam é justamente isso: por que este adolescente está há tanto tempo ali, fazendo a mesma coisa, e nunca houve uma intervenção com uma ação de política pública que reverta a situação? As denúncias apontam para falhas grosseiras na execução das ações, e total negligência e falta de compromisso social nas abordagens. “Eles fazem de conta que fiscalizam e os meninos fazem de conta que são fiscalizados, e a gente vai passando por eles, todo dia, e eles continuam lá”, afirmou a moradora Maria de Fátima Freire, 51.
Ineficácia
As denúncias dos casos de crianças e adolescentes em situação de rua não estão focadas em fazer a famigerada faxina nos locais, recolhendo as crianças e as devolvendo para seus endereços. Não, não se trata disto. O que os leitores reclamam e denunciam é que não há, pelo menos não se tem informação, de ações concretas da Secretaria de Assistência Social, num trabalho integrado com Educação e Saúde, de modo que os agentes se dediquem na identificação das crianças e suas famílias, acompanhem cada caso e ofereçam todo o suporte socioeducativo, alimentar e de saúde que o município tiver.
Um homem que pediu para não ser identificado denunciou que as abordagens são ineficazes, porque na primeira dificuldade encontrada no contato com a criança ou adolescente, eles abandonam e vão embora. “Quando eles vão abordar os meninos, qualquer pequeno contratempo, eles deixam de lado e ali já não dão mais atenção àquele caso”, ressaltou.
Violência, abandono exploração
A reportagem apurou que, com poucas exceções, a maioria dos meninos é de família de baixa renda e elevada vulnerabilidade social. Muitos vão para os semáforos com o conhecimento e até o incentivo dos pais. Passam o dia todo e são submetidos a situações de violência se voltarem para casa sem nada. Existem casos de crianças e adolescentes que estão nos semáforos driblando a escola, alguns já foram pegos nos semáforos em horário escolar. Em geral, são crianças e adolescentes filhos de pais separados, pais e mães que são usuários de drogas, ou estão em cumprimento de pena pela prática de delitos. Nesses casos, as crianças e os adolescentes estão sob a tutela dos avós, tios ou parentes de 3º grau. Para eles, passar o dia nos semáforos é uma forma de fugir do ambiente de violência, abandono ou exploração. Mas por outro lado eis os ‘gargalos’ das ruas: enquanto meninos e meninas permanecem expostos em semáforos ou próximo a estabelecimentos comerciais em busca de um ‘trocado’, correm sérios riscos de sofrerem todo tipo de violência, inclusive abuso sexual.
Ministério Público
Sobre o tema provocado pelos leitores do A Praça, a reportagem procurou o Ministério Público, por meio da Vara da Infância e Juventude, para se posicionar sobre os questionamentos levantados. O promotor público Dr. Flávio Côrte, da 3ª Promotoria respondeu. Sobre os questionamentos da população de o porquê da permanência desses menores nos referidos locais, o representante do MP enfatizou que “A existência de população em situação de rua é um fenômeno multicausal. Vulnerabilidade financeira, desemprego, trabalho infantil, rompimento de vínculos familiares e comunitários, violação de direitos, uso de drogas e doença mental são apenas alguns exemplos. A pandemia de Covid-19 também provocou o aumento da população em situação de rua em razão dos impactos financeiros e das mortes dos pais ou responsáveis, deixando crianças e adolescentes desamparados”, lembrou.
Indagado se há procedimentos sobre casos específicos envolvendo crianças e adolescentes no âmbito do MP, o promotor Flávio Côrte informou que sim, existem procedimentos em andamento tramitando na 3ª Promotoria da Vara da Infância.
A reportagem perguntou ao promotor sobre a existência de uma rede integrada de assistência e acompanhamento dos casos de crianças em situação de rua, em que todos caminhem na mesma direção: Ministério Público, Secretaria de Assistência Social, Conselho Tutelar, Conselho da Criança e Adolescente, Secretaria de Educação. Flávio Côrte respondeu que “Sim. Os mais diversos órgãos se articulam visando identificar e assegurar direitos à população em situação de rua, procurando entender as causas e buscando formas de superação”.
Secretaria de Assistência Social
A Secretaria de Assistência Social do município também foi procurada para responder aos questionamentos dos leitores. O secretário titular da pasta, Pablo Neves, respondeu através de nota. Segue na íntegra.
“A Secretaria de Assistência Social, Direitos Humanos e Cidadania através da Proteção Social Especial – PSE desenvolve serviços de atenção especializada de apoio, orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de ameaça ou violação de direitos. Desse modo, pertinente a Proteção Social Especial – PSE, contamos com os serviços ofertados por meio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS que conta com a equipe de abordagem social, a qual atende o público crianças/adolescentes e suas famílias que vivenciam situação de trabalho infantil. Os serviços ofertados para as famílias das crianças e adolescentes são realizados por toda a Rede de Proteção e Garantia de Direitos, entre estes; CREAS, CRAS, CT e Escola. Mediante identificação das famílias, as mesmas são acompanhadas e inseridas no Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família (PAIF), no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), bem como articulação com a escola no que tange a evasão escolar das crianças e adolescentes em questão. O CREAS tem realizado semanalmente Abordagem Social no período diurno e no período noturno, as terça-feira e quinta-feira, objetivando a realização de busca ativa, identificando nos territórios, a incidência de trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, e em situação de rua, entre outros. Importante destacar que as crianças e adolescentes identificadas a princípio apresentam resistência pra repassar as informações verídicas no que se refere: nome, idade, responsável, endereço, etc. Dessa forma, as equipes buscam estratégias pra fortalecer os vínculos, buscando estabelecer confiança para maior aproximação com os mesmos e suas famílias. A continuidade do serviço da abordagem se faz pelo acompanhamento das famílias ou indivíduos junto a equipe técnica de referência, bem como, por toda a rede socioassistencial, como também a participação em campanhas em âmbito nacional. Campanha 18 de maio, sobre o combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, 12 de junho sobre o combate ao trabalho infantil. A equipe de abordagem junto ao CREAS e toda a rede ampliam as discussões e a luta a respeito da garantia dos direitos desses sujeitos e busca promover a conscientização da sociedade como um todo em parceria com as escolas, rádios, entre outros”.
0 comentários