“Tu sabes / conheces melhor do que eu / a velha história. / Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem: / pisam as flores, / matam nosso cão, / E não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada” .
Erroneamente atribuídos a Maiakóvski, poeta modernista russo, os versos do brasileiro Eduardo Alves da Costa voltam ao cenário da grande literatura brasileira com uma força e uma atualidade simbólica que a um tempo nos emocionam e revoltam. Antes de discorrer sobre o sentido de sua ressignificação, no entanto, por dever de ofício, evidencio tratar-se apenas de uma estrofe de um poema mais extenso, bem estruturado e eivado de imagens que lhe conferem, com rigor, no plano do conteúdo e da expressão, uma rara importância em meio a tudo que se fez na poesia brasileira do início do século. Intitula-se “No caminho com Maiakóvski”, razão de ser ocasionalmente citado como de autoria do poeta e militante da Rússia conhecido como o ‘poeta da revolução’.
Quanto a reatualizar-se, é preciso tão-somente que saibamos dar à dimensão metafórica do texto os muitos sentidos que possui, entre eles, leitmotiv central do poema, a advertência que o eu lírico enseja ao lembrar (como em diálogo com o interlocutor do discurso, o poeta homenageado), que o silêncio e a omissão diante do inimigo perverso invariavelmente resultam na submissão definitiva.
No Brasil de ontem, que o de agora tem suas raízes em acontecimentos de pelo menos três ou quatro anos atrás, foram o silêncio e a omissão do Congresso e do STF que resultaram no que agora nos parece estabelecido como a antessala de um retrocesso que poderá levar o país a um estado de exceção.
Diante do que se viu ao longo desses três anos e meio de (des)governo, crimes de toda ordem (ataques ao sistema eleitoral, abuso de poder, crimes de lesa-pátria, afrontas ao Estado democrático de Direito, tentativas de desmoralizar integrantes do STF etc.), cometidos numa sequência sem fim pelo capitão e sua turba oportunista, soam ridículas as manifestações que ora vemos formalizadas em cartas e manifestos esvaziados de sentido prático contra as ações golpistas de Jair Bolsonaro. Tudo discurso, lero-lero, conversa fiada, quando se sabe que nada de concreto sequer se esboçou a seu tempo (e agora!) contra as investidas tresloucadas do presidente e de seus apaniguados, refestelados com picanha importada, vinhos finos e muito viagra comprados à custa do povo brasileiro. E contracheques robustos, é claro.
Quanto aos tais missivistas, como afirmou a jornalista Mariliz Pereira Jorge, em sua prestigiada coluna na edição de hoje da Folha de S. Paulo, trata-se de “figurantes do golpe em andamento” a posar de “indignados”, espectadores privilegiados da “morte da democracia”. Onde a tramitação dos mais de cem pedidos de impeachment, onde os pareceres cabíveis do procurador Augusto Aras contra os atos abusivos do presidente, onde a instalação de CPI’s, onde as medidas institucionais previstas na Constituição? Tudo, insisto, falácia, conversa que fazem boi dormir, lenga-lenga de cúmplices e omissos diante do descalabro a que foi empurrado o país.
Não é sem oportunidade, pois, que volto ao poema de Eduardo Alves da Costa, como se escrito para o Brasil de hoje, em sua derradeira estrofe: “E por temor eu me calo, / por temor aceito a condição / de falso democrata / e rotulo meus gestos / com a palavra liberdade, / procurando, num sorriso, / esconder minha dor / diante de meus superiores. / Mas dentro de mim, / com a potência de um milhão de vozes, / o coração grita – MENTIRA!”
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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