Nesta edição do A Praça, entrevista com o biomédico sanitarista Dr. Samuel Bezerra, numa abordagem sobre a ‘varíola dos macacos’, doença transmitida entre humanos, causada por um vírus, que vem dando preocupação, inclusive com mortes em redor do mundo e já chegou ao Brasil, incluindo o Ceará
A Praça – Quais são as chances de a ‘varíola dos macacos’ se transformar numa nova epidemia?
Dr. Samuel – Em 23 de julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a varíola dos macacos como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, de risco moderado, diante do rápido aumento de casos da doença pelo mundo, o que obriga agências sanitárias pelo mundo a aumentar medidas preventivas. Atualmente, só há outras duas emergências de saúde deste tipo: a pandemia do novo coronavírus e o esforço contínuo para erradicar a poliomielite. O vírus causador da varíola dos macacos, o monkeypox, não tem o mesmo potencial de transmissão rápida nem de letalidade do novo coronavírus, porém se as medidas de contenção não forem tomadas, inclusive por cada pessoa, a situação epidêmica pode sair do controle ao se propagar mais rápida ainda e, simultaneamente, em várias regiões do mundo, o que poderá configurar-se em uma pandemia. Neste momento, é importante informar, pois, à população sobre como se proteger da doença. Não acredito que deva haver medidas restritivas, mas deve haver orientação para diminuir os riscos de contrair o vírus, porque todas as pessoas estão suscetíveis à doença.
A Praça – Como se dá a transmissão do vírus?
Dr. Samuel – A transmissão do monkeypox vírus ocorre, principalmente, através do contato direto de uma pessoa que tem a pele íntegra com as lesões de pele de uma pessoa que está infectada, ou seja, nas bolhas, existe uma secreção que está repleta do vírus que infecta uma pele sadia. Daí, agora, fica fácil entender porque na relação sexual, a transmissão é propícia: o contato intenso e prolongado do corpo a corpo (e das partes íntimas). Fica fácil deduzir, também, que a transmissão pode ocorrer, por exemplo, numa luta de MMA ou numa dança em que os pares estejam juntinhos. Então, o uso do preservativo evita, sim, infecções sexualmente transmissíveis, mas a varíola dos macacos, não, já que essa é uma virose que se dá por contato. Assim, até superfícies sujas com o líquido das bolhas, como assentos, balcões, roupas, lençóis e toalhas podem ser meios de transmissão. Gotículas de saliva através do beijo, da fala, da tosse do espirro e de talheres também conduzem o vírus. A mãe também pode transmitir o vírus para o feto via placenta. E mais: uma pessoa pode transmitir até para animais, conforme já registrado em Minas Gerais, onde um cachorro foi infectado pelo vírus portado por um doente.
A Praça – Quais são as principais características da doença, a partir de quando ela se manifesta no corpo da pessoa?
Dr. Samuel – Após contrair o vírus, uma pessoa pode passar de 5 a 21 dias para apresentar os primeiros sintomas; esse é o período de incubação. Depois, poderão aparecer: erupções cutâneas ou lesões de pele, como bolhas; linfonodos inchados (ínguas); febre; calafrios; dores no corpo; dor de cabeça; e, fraqueza. As lesões coçam e são irritantes e doloridas. Costumam aparecer no rosto, no tórax, nas mãos e na região genital e perianal; depende muito do local onde o vírus infectou a pessoa. As lesões de pele podem ser mais profundas e deixar cicatrizes. Em alguns casos mais graves, pode haver cegueira, alterações do sistema nervoso central ou o desenvolvimento de uma pneumonia, o que, certamente, exija uma internação do paciente. Óbitos também já foram registrados. A infecção termina após 14 a 21 dias.
A Praça – O que é recomendado para as pessoas que são diagnosticadas com a doença? Tratamento é medicamentoso?
Dr. Samuel – Uma pessoa que apresentar esses sinais e sintomas deve, antes de tudo, procurar assistência médica. Há recomendação de isolamento, e essa medida é obrigatória em caso confirmado (com resultado laboratorial “positivo/detectável” para varíola dos macacos por diagnóstico molecular, PCR em tempo real e sequenciamento). Até este momento, são utilizados medicamentos para aliviar os sintomas, como antitérmicos e analgésicos, como a morfina, em casos mais graves, mas não existe medicamento aprovado no Brasil para o tratamento da varíola dos macacos, porém alguns antivirais apresentam atividade contra o monkeypox, como brincidofovir, cidofovir e tecovirimat, aprovados pelos Estados Unidos. O tecovirimat foi aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos e pelo Food and Drug Administration (FDA). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu do Ministério da Saúde um pedido de análise para o tecovirimat, cujo parecer deverá sair em cerca de dez dias.
A Praça – O paciente que está com a ‘varíola dos macacos’ precisa ser isolado para evitar maior propagação da doença?
Dr. Samuel – O isolamento se faz obrigatório, sim. Inclusive, de acordo com o Art. 268, do Código Penal, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” pode levar à “pena de detenção de um mês a um ano, e multa”.
A Praça – O senhor sabe informar se existe algum caso sob investigação aqui em nossa região?
Dr. Samuel – De acordo com a Vigilância Epidemiológica, em nosso município, foi notificado um caso suspeito no início deste mês, que está em investigação. Dentre os municípios que compõem a Área Descentralizada de Saúde (ADS) de Iguatu, apenas o município de Acopiara registra dois casos suspeitos até o momento. O nosso estado possui 45 casos confirmados, e o Brasil ultrapassa 4000 casos da doença.
A Praça – Qual o grau de letalidade da doença nos seres humanos?
Dr. Samuel – Segundo o balanço mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), 7,8% de todos os casos relatados até hoje levaram à hospitalização. Enquanto a varíola humana matava 30% dos infectados, a varíola dos macacos é letal em 3% a 6% dos casos, segundo a OMS. Felizmente, no Brasil, apenas uma morte por essa varíola foi registrada até agora.
A Praça – Os animais, no caso específico dos macacos, estão sendo alvo de violência, por suspostamente serem os hospedeiros da doença. Nesta semana, somente num parque em São Paulo, 7 animais foram encontrados mortos. Como evitar isso?
Dr. Samuel – Primeiramente, é necessário informar à população que apenas animais e pessoas infectadas transmitem a doença. Essa virose advém de roedores, ratos e esquilos, e os macacos, e outros animais são tão vítimas quanto os humanos. Não faz sentido matar macacos nem outros animais domésticos, mesmo infectados, pois seria o mesmo que matar pessoas com essa doença. É lamentável que isso tenha acontecido. Tais assassinos devem ser rigorosamente penalizados de acordo com as leis.
Perfil
Samuel Bezerra é biomédico (UniLeão); especialista em Bioquímica (UniLeão); especialista em Vigilância Sanitária (Instituto Sírio-Libanês); mestre em Genética (UFPR); professor de Genética da UniFIC; coordenador da Vigilância Sanitária de Iguatu.
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