Às sextas-feiras à noite, quando não estamos enfurnados em uma sala de uma faculdade qualquer, ou em casa assistindo a alguma aula chata de alguma EaD da vida, é possível que possamos experienciar as várias facetas das almas boêmias noturnas da nossa cidade. Digo isto em virtude de que, em uma dessas noites, durante o período de férias, quando resolvi sair a esmo, pude observar estes seres que muito me agradam. Descrevo o ambiente. Havia uma mesa de sinuca, onde dois sujeitos, ainda com suas fardas de trabalho, apostando seus parcos recursos, discutiam em um clima misto de hostilidade a amistosidade.
Observando em uma mesa, “perus” (gíria dada ao indivíduo que, não participando de um jogo, de fora, dá sugestões aos participantes) davam pitacos, atiçando ainda mais os nervos dos oponentes exaltados. Eu, que aprecio uma boa contenda, chacota e pilhéria, sorria modestamente junto ao balcão onde me encontrava. O som alto e brega trazia àquele lugar os ares dos bons e velhos cabarés, que hoje, lamentavelmente, estão praticamente abandonados, mas que, em tempos de outrora, trouxeram muitas alegrias aos seus assíduos frequentadores.
Bem, voltemos ao muquifo. Um senhor de uns oitenta anos, dividia comigo o balcão e conversas soltas. Sua voz era baixa, quase não se ouvia seus balbucios, haja vista, como mencionei, a música em alto volume; mas não de alta qualidade… porém, melhor do que as bobagens que a juventude fraca e efeminada de hoje escuta. O eloquente e sussurrante velhinho, que fazia-me agradável companhia, depois de alertar-me sobre qualquer garrafa que passasse voando por sobre nossas cabeças, confidenciou-me que estava esperando a sua namorada (‘eufemizou’, evitando de chamá-la de, digamos, meretriz, claro), que morava um tanto distante daquele bairro, mas que estava para chegar.
Perguntou se eu não queria uma também. Ri, e disse, em tom de brincadeira, que meu aposento ainda não havia sido depositado pelo moroso governo. Na verdade, o que insinuei foi que a jovem sanguessuga estava, provavelmente, sorvendo toda a grana mirrada do senil em questão.
Os amigos-inimigos continuavam a jogar sinuca, mas agora em clima de descontração, posto que o imbróglio fora resolvido. Sorriam, gargalhavam e brindavam seus copos num tintilar estridente, quase trincando ou até mesmo quebrando um ou outro copo americano. Xingavam um ao outro de modo amigável: “Filho da p*** de sorte!”, “Ah, bicha ‘azalada!’” E o jogo não cessava. E a alegria parecia não ter fim.
“Vai querer mesmo não, ‘rapazim’”? Ofereceu-me, como um verdadeiro cafetão, o velho à segunda garota que chegava com a sua jovem amante. De fato. Eram duas belas morenas. Não deusas, mas belas e comuns, sim. Declinei do convite, pois não pago (mais) por cópulas medíocres e fingidas – como a que provavelmente teria se com ela saísse.
Depois de horas naquele lugar, já bêbado e com o dono do bar a fechar uma das portas e colocar as últimas mesas e cadeiras para dentro do recinto, pedi a minha famigerada saideira. Não havia mais ninguém. Os rivais da sinuca se foram sob pressão de suas esposas que, desconcentrando-os da jogatina, não paravam de ligar para os seus celulares. O velhinho decrépito, mas insaciável sexualmente, com sua queda pelas meretrizes, também foi-se há muito tempo. Faço votos de que seu vivido coração suporte aos efeitos do viagra, o sagrado “azulzim”.
E assim terminou aquela formidável noite. Paguei a conta, despedi-me e sai para que, na próxima sexta, independente dos problemas da vida, não obstante qualquer coisa, eu possa, depois de um encontro casual ou marcado, celebrar a vida em meio àqueles senhores que são, na verdade, a personificação de muitos de nós que, com orgulho, não pertencemos aos corretos, aos chatos irremediáveis.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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