Por Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)
Quem se interessa pela história da Ditadura Militar brasileira, na certa assistiu ao filme Marighella (2022), de Wagner Moura, e sabe de quem estamos falando – de um dos maiores líderes da luta armada e guerrilheiro comunista. Da mesma forma, deve ter assistido ao filme Batismo de Sangue (2006), de Helvécio Ratton, e percebido que alguns movimentos da Igreja Católica se envolveram na guerrilha ou, mais amplo, na luta da esquerda.
Pois bem, de acordo com alguns documentos presentes no acervo digital do Arquivo Nacional, Iguatu foi acusado, no ano de 1970, de ter padres comunistas, especificamente o Pe. Landim e o Pe. Elmas Maria de Carvalho (também editor do jornal “A Luta”), bem como o bispo, D. José Mauro de Alarcon e Santiago (“que ninguém sabe se é ou não conivente com estes fatos”, conforme relato presente no documento). Dentre as acusações, havia a de divulgação, em suas homilias pela zona rural, de posicionamentos políticos contrários ao governo. Ou ainda a presença da música “Caminhando”, de Geraldo Vandré, “nas solenidades da igreja” como “fundo musical”.
O presente trecho do documento manuscrito, apenas uma dentre outras denúncias feitas pelo informante, traz a transcrição de um depoimento anônimo sobre a chegada de diversos homens possivelmente de esquerda, recebido e hospedado pela Diocese e Seminário de Iguatu. Ao que parece, corria o boato de que a próxima visita seria de “um dos “braços fortes” de Marighela”. Segue o trecho:
“(…)
Segundo nosso informante, ligado aos homens da Segurança, pois possui grandes bens de família e interesse na região e quando viu a força e forma que estavam tomando as pregações e atos de subversão, com ameaças inclusive aos comerciantes, industriais e oficiais da região, contratou alguns agentes-informantes e ficou sabendo de tudo: nomes, datas, fatos e documentos.
Diz ele que estão sempre chegando pela rodoviária local elementos estranhos à cidade. São estes elementos recebidos e encaminhados para o Seminário, sempre pelos padres ou agentes deles. No seminário permanecem dois, três ou quatro dias sem sair, sem falar com ninguém a não ser com os padres. Depois desse tempo desaparecem, tal como chegaram: desconhecidos. Eles vêm de diversas paragens tais como Cariri, Mombaça, Fortaleza, etc. São “hóspedes” dos padres.
O último boato que correu na cidade dito por um indivíduo que o “leader” do sindicato: (Jesus de tal) o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que dizem congregar mais ou menos 2500 agricultores e trabalhadores rurais; Numa reunião anunciou que o próximo “hospede” seria o (Ozeas [?]) um dos “braços fortes” do Marighela.
E o fato ficou comprovado, pois na época o Sr. Jesus recebeu muito dinheiro e quando o elemento citado chegou ficou no seminário por 2 ou 3 dias mantendo contato com os padres e [?] somente. Este Jesus é comunista ardoroso e ativista, é o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e consta ser também fichado.
(…)”
[Fonte/ Arquivo: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.70018136]
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