Arrumamalaê!

25/03/2023

 

Luís Sucupira é repórter fotográfico, jornalista (MTE3951/CE) e escritor.

A influência árabe do Islã na cultura católica nordestina brasileira

As fotos dessa coluna são parte de um ensaio realizado pelo fotógrafo Leopoldo Kaswinner em Serrita, Pernambuco, onde se realiza a Missa do Vaqueiro.

A cultura árabe está mais conectada à nossa do que você poderia imaginar. Havia uma suspeita e hoje há uma certeza: o legado dos muçulmanos mouros na Europa veio para o nordeste brasileiro e aqui fez sua morada.

O legado deixado pelos muçulmanos no nordeste brasileiro vai desde a comida, passando pela música e arquitetura e contempla até os trajes típicos. O Nordeste foi a primeira região colonizada e uma das últimas a passar pela globalização, e por isso, as marcas do Islã aqui foram muito preservadas.

Há um legado quase silencioso deixado pelas civilizações islâmicas, que moldaram principalmente as expressões que surgiram no Nordeste. Um fato curioso é imaginar que parte da história nordestina foi estabelecida por um povo católico – os portugueses, mas que tinham fortes ligações culturais com os islâmicos. Expressões culturais diversas na cozinha, música, arquitetura e nos trajes típicos. Tudo isso possui marcas deixadas pelo Islã na península ibérica.

Em 1492, a cidade de Granada, na Espanha, último território dos mouros na península ibérica, foi conquistado pelos cristãos. No entanto, os muçulmanos continuaram naquela região ao longo do século XVI, mesmo sob o governo dos católicos. O Brasil foi descoberto em 1500 e, na metade do século, a colonização se intensificou, o que significa que a presença islâmica no mediterrâneo europeu coexistiu com a chegada dos portugueses no Brasil.

Vamos às semelhanças. Os símbolos encontrados no castelo de Alhambra presente no chapéu dos vaqueiros, usados inclusive por figuras como os cangaceiros; o gibão que veio das túnicas dos árabes chamadas de jubbah; o cobogó vindo dos muxarabis andaluzes; e até mesmo as expressões musicais, como a trilogia sertaneja, com o pífano, rabeca e viola, que possuem origens andaluzes.

Belchior e Xangai, artistas brasileiros e nordestinos mencionaram a origem árabe do aboio, que foi influenciado pelo azan, o chamado da oração islâmico. A influência está presente na obra de literatura, como a “Pedra e o Reino”, de Ariano Suassuna, que também inspirou a construção do Castelo Armorial, em São José do Belmonte, Pernambuco.

Muçulmanos expulsos da Espanha, tiveram uma grande importância para o surgimento de diversas características da cultura gaúcha, como as vestimentas e a cavalaria. Mas um olhar pelo Nordeste faz os pesquisadores perceberem que o legado islâmico foi muito mais preservado aqui. O Nordeste foi a região que mais recebeu e conseguiu guardar este legado.

Na cozinha temos a esfiha, arroz com frango, tabule, quibe (cru ou frito), homus (pasta de grão de bico), pasta de berinjela e de coalhada; o charque ou carne do sol. A cultura muçulmana determina que os alimentos sejam consumidos com a mão direita e muitos têm o hábito de comer apertando a comida na mão como o nosso antigo ‘capitão’. De lá vem uma bebida alcoólica (árabes muçulmanos não bebem) chamada de arak que tem teor alcoólico de 45% e deve ser diluída em água e que se bebe também com água de coco.

O forró também teve forte influência, como já dissemos, mas é sempre importante lembrar que o nosso modo de falar, no dialeto cearensês, possui um jeito árabe de falar. Quem não lembra da música da rural de Neo Pinel? Então “arrumamalaê…Noirramo rrê o má!”

 

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