Entrevista – Graciela Bessa, Psicóloga

17/06/2023

A psicóloga Graciela Bessa é convidada desta edição do A Praça para falar sobre as incidências das doenças mentais, como isso afeta as pessoas e o significado de um termo usado por ela em publicação de vídeo em rede social: a ‘patologização’

 

A Praça – Em recente publicação em vídeo no seu perfil do Instagram, a senhora faz uma abordagem sobre as doenças mentais e usa o termo ‘patologização de processos naturais’. O que quis dizer com isto?

Graciela – Vejo que as pessoas, por vezes, acabam confundindo emoções negativas e/ou o próprio fato de não lidar bem com uma situação, com um transtorno mental. Não é bem por aí. Como diz a frase que referencio no vídeo: “É normal se sentir anormal em situações anormais” (Viktor Frankl). Ou seja, tem situações que serão sim desafiadoras, que vão gerar dor, sofrimento, medo; que vão prejudicar a produtividade ou a atenção, isso não quer dizer que é uma “doença”. É um processo sentido, que precisa sim ser olhado, cuidado, que pode e merece ter ajuda profissional, mas não precisa “se vestir” de um diagnóstico para isso. É importante enfatizar que não me refiro aos transtornos, realmente e cuidadosamente avaliados e diagnosticados, e sim à banalização de termos patologizantes e ao autodiagnóstico.

A Praça – As pessoas estão exagerando ao se antecipar a existências de doenças mentais, sem sequer terem diagnóstico dos profissionais da saúde?

Graciela – Por muito tempo, as pessoas tinham uma visão e alguns comportamentos negligentes às questões de Saúde Mental, permeados por preconceitos acerca do acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Com a ampliação do acesso à informação, veio o ponto extremamente positivo de uma desconstrução desse cenário, de forma que hoje as pessoas estão mais atentas, reconhecem mais a importância do autocuidado e isso é fundamental para a promoção de saúde. O grande problema é que, por vezes, o conhecimento é banalizado, de forma que as pessoas leigas pegam informações isoladas em redes sociais e se enquadram em um transtorno a partir delas. É até delicado generalizar, mas pode-se dizer que tem aumentado o numero de pessoas que se autodiagnosticam e que utilizam termos voltados a transtornos mentais, pelo fato deles estarem sendo disseminados em redes sociais, fazendo parecer que é simples o processo de um diagnóstico. Nós profissionais da saúde trabalhamos em conjunto, com avaliações multiprofissionais, considerando o contexto do adoecimento, o tempo, a história de vida, utilizamos escalas e/ou testes, e tudo isso por compreender o quanto é complexo lidar com um diagnóstico.

A Praça – O que há de concreto nesta relação entre as pessoas e as doenças mentais? Existe doença mental oportunista, ou as pessoas estão se precipitando em tentarem justificar que estão doentes?

Graciela – Falar sobre essa relação requer a compreensão de como funciona a subjetividade contemporânea e seu contexto histórico-cultural. Vivemos em um período de domínio da Globalização, das tecnologias, que operam na logica da produtividade, utilidade, exploração, estocagem, descartabilidade etc. Isso acaba por gerar um modo acelerado e automatizado de funcionamento, que se configura enquanto um contexto facilitador de “transtornos epocais” (transtornos que atravessam o modo de ser do homem contemporâneo), como compulsões e ansiedade. É fato, portanto, que o sujeito contemporâneo come em excesso, trabalha em excesso, medica-se em excesso, compra em excesso, e tudo isso à medida que busca simplificar e resolver de forma prática tudo o que se apresenta. Temos sujeitos em sofrimento e com dificuldades de lidar com questões existenciais mais profundas do próprio sentido, e isso precisa sim ser cuidado e acolhido. O ponto é que muitas pessoas só querem dar um nome, que possibilite (mais uma vez) uma medicação como resposta simplificada para silenciar o desconforto. Esse desconforto precisa ser ouvido e avaliado, dentro do seu contexto cultural e subjetivo, para que possa encontrar sentido, e ser diagnosticado se realmente for dessa ordem, mas indo muito além disso.

A Praça – Quando alguém sinaliza com a ‘patologização’ de algum eventual processo natural, ela também está se expondo ao risco de aderir à automedicação?

Graciela – Sim, esse é o maior risco. A pessoa lista sintomas de forma padrão, utilizando termos médicos e, seja pesquisando ou conversando com alguém, por vezes já vem com um nome e dosagem específicos em mente. Essa parte da automedicação é bem delicada, porque tanto é comum a busca por esse suporte medicamentoso, mesmo sem diagnóstico medico, como também é comum, em pacientes que já fazem acompanhamento psiquiátrico e psicológico, o ato de acrescentar, diminuir ou suspender alguma medicação por conta própria, contrariando as nossas orientações. Mesmo que nós psicólogos não trabalhemos com prescrição, a gente acaba acompanhando esse processo junto do psiquiatra ou neurologista. 

A Praça – As supostas patologias mentais estão mexendo mais com as emoções dos indivíduos?

Graciela – Podemos dizer que são fatores interdependentes, mas vejo mais esse olhar “patologizante” como resultado de emoções negadas. Há atualmente o predomínio de uma positividade tóxica, que permeia as relações e é bem ilustrada nas redes sociais, onde todos precisam mostrar que estão bem ou tem a vida perfeita. Isso acaba não abrindo espaço para as emoções, principalmente as “desagradáveis”, o que vai colocando-as em um lugar de estranheza. Ao se tornarem estranhas, as pessoas vão construindo uma visão acerca dessas emoções enquanto patologias, e, portanto, buscam se livrar, ao invés de aprender a lidar com elas.

A Praça – Que medida a pessoa deve adotar, ao perceber sinais de suposta doença mental?

Graciela – Primeiro e mais importante: buscar acompanhamento psicológico, sem esperar se agravar. A pessoa não precisa ter um diagnóstico para buscar a Psicoterapia, e se for o caso, estamos sempre atentos à necessidade de encaminhamento para avaliar e intervir em algum transtorno que houver hipótese diagnóstica clínica. Para além disso, é importante observar o seu modo de viver, identificando e reajustando os aspectos potencialmente adoecedores dos contextos nos quais se encontra.

A Praça – Na sua opinião, as crianças estão sendo muito afetadas, agora ainda mais com a tendência das doenças mentais?

Graciela – As crianças estão dentro desse contexto acelerado como nós, e acabam também sendo afetadas. Mas há um cenário em que a visão de positividade (tóxica) traz a ideia para alguns pais de que as emoções “desagradáveis” da criança (como a tristeza, o medo, a raiva) podem ser transtornos e precisam ser cessados. Vai inclusive se disseminando nos seus discursos que a criança não pode sentir essas emoções, tem que sentir só coisas boas. Mas não é assim, temos emoções agradáveis e desagradáveis de sentir, mas experienciá-las é saudável. Essa banalização no olhar ao diagnóstico, acaba fazendo muitas pessoas duvidarem ou questionarem quando se deparam com diagnósticos avaliados por profissionais, e precisamos enfatizar que são coisas diferentes. Ao nos referirmos a transtornos mentais, avaliados de forma cuidadosa por profissionais, é inegável que tem havido um aumento no numero de diagnósticos, mas não se pode associar a essa banalização que conversamos anteriormente, uma vez que diagnósticos acontecem de forma ética, responsável e criteriosa. O que tem acontecido, somado a hipóteses que seguem sendo estudadas, é que as pessoas têm buscado mais cedo essa avaliação, favorecendo o diagnóstico precoce, que possibilita intervenções e acompanhamento o quanto antes. Portanto, o problema não é o diagnóstico em si, e sim o autodiagnóstico, através da apropriação leiga e simplificada de um processo delicado e minucioso, que é a avaliação.

Perfil

Graciela de Andrade Bessa é psicóloga formada pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG em 2017, com registro no CRP 11/12719. Ela atua na Psicologia Clínica há 5 anos, com Abordagem Centrada na Pessoa; tem experiência de 3 anos e 6 meses na Psicologia Educacional e Escolar; e possui especialização em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem (PUCRS) e em Transtornos Alimentares, obesidade e cirurgia bariátrica (UNYLEYA), Transtornos do Espectro Autista (CBI of Miami).

MAIS Notícias
Obra de reforma da Prefeitura de Iguatu será licitada novamente
Obra de reforma da Prefeitura de Iguatu será licitada novamente

As obras de reforma da sede da Prefeitura de Iguatu estão paralisadas desde a eleição de 2024. Mesmo com placa identificando a obra, com valor, órgão responsável e prazo de entrega, não há nenhum operário no local, apenas um homem numa ‘gurita’ que se identificou como...

Artesã iguatuense faz releituras de obras de Romero Britto
Artesã iguatuense faz releituras de obras de Romero Britto

  A artesã e artista plástica Silvanir Paulino atualmente trabalha na pintura de telas inspiradas nas cores e traços do artista pernambucano Romero Britto. A ideia é montar em breve uma exposição com as telas que vem pintando. Silvanir utiliza a técnica acrílica...

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *