1888: a Igreja de Senhora Sant’Ana, os festejos e reformas sob a égide de Monsenhor Monteiro (I)

08/07/2023

 

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

Julho é um mês muito especial na história da religiosidade católica de Iguatu e na vida de muitos iguatuenses. Mês de férias e de festas em comemoração à Padroeira da cidade, Senhora Sant’Ana, aquela que foi outrora denominada de praça D. Pedro II – hoje apenas praça da Matriz – viveu e vive dias de intenso movimento, num cenário onde o tradicional se mescla a outras e novas práticas culturais. A Igreja de Senhora Sant’Ana e seu entorno, portanto, foram (são?) o coração da cidade, uma vez que os povoados eram construídos no entorno da instituição católica e de seus processos de catequização. Relembro aqui a matéria que tratei sobre os povos indígenas da missão da Telha (edição de 22 de abril de 2023, ano XXI, nº 1152) e a relaciono com a igreja de Senhora Sant’Ana, costuradas na fala do historiador e memorialista, sr. Wilson Holanda Lima Verde, ao narrar sobre a chegada da primeira imagem de Senhora Sant’Ana como o começo da história de Iguatu (entrevista de arquivo pessoal, concedida no ano de 2013):

“[…] a história do Iguatu começa praticamente a partir de 1719, com a chegada da imagem de Santa Ana na margem da Lagoa da Telha, trazida pra cá pelo pe. João de Matos Serra que viajava em companhia do primeiro homem público do Iguatu que foi o tenente-coronel Gregório Martins Chaves. Então era entregue aos frades carmelitas a imagem de Santa Ana que ainda hoje existe, a primeira imagem, no lado direito para quem entra na igreja, lá no nicho bem ao lado do altar. Foi feita em Portugal. E então, a partir daí de 1719, deu-se a ocupação da região com a catequese dos frades carmelitas procurando civilizar os índios. Isso tudo na margem esquerda da Lagoa da Telha. É tanto que por causa disso aí, a primeira rua do Iguatu ficou aquela rua da praça da Matriz que tem do lado de cá, chamava-se rua do Meio e hoje é Senador Pompeu e as palhoças ficavam justamente no fundo das casas da rua Floriano Peixoto, eram as habitações dos índios. […]”

A chegada da imagem não só alterou o nome da missão para Missão de Sant’Ana como também foi responsável pelas primeiras construções que daí partiria desenhando a geografia da cidade. E mais: na história e historiografia da cidade de Iguatu, a chegada da imagem de Senhora Sant’Ana é tratado como um símbolo fundacional.

Assim, diante de tão longa temporalidade, e do limite que as palavras aqui impõe, quero convidar o leitor a ler um trecho da matéria da “Secção Religiosa”, presente no jornal Gazeta do Norte, publicado em 17 de setembro de 1888, no qual consta os informes feitos pelo correspondente Jacob Weyne Barros, da cidade de Iguatu, a respeito dos festejos religiosos do mês de maio e das novenas em comemoração à Padroeira Senhora Sant’Ana, com ênfase para alguns aspectos que lhe deve ter chamado atenção, bem como a respeito das novas aquisições e reformas.

“[…] A’ tarde houve procissão, e ao anoitecer teve lugar uma das sublimes cerimonias do mez mariano: – a coração da SS. Virgem.

O acto esteve sumptuoso e enantador como sempre. Em o anno passado foi com surprendente perfeição desempenhado pela pequena Elysa Gomes, a criança de admiravel bellesa, e sua sympathica companheira Maria Amelia, cantando os maviosos hymnos a formosa pequena Alik Teixeira e suas collegas de escola. Este anno, tão agradavel cerimonia foi, como no passado, feita com primor pelas bellas meninas Maria de Castro, Maria Luciola e Honorina Jucá, as duas ultimas trajando de anjos.

Foi um dia completo de festa.

A cidade permaneceu iluminada até tarde da noute.

– A musica, bem dirigida pelo professor Vicente Baptista, auxiliado pelos prestimosos moços da cidade, seus discipulos, agradava com escolhida symphonias.

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O povo achava no prazer da egreja seu prazer.

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Deixou de comparecer, esta vez, convidado, o ilustre sacerdote padre Cícero Romão Baptista, por doente; o que, profundamente sentimos; principalmente por perdermos assim mais uma occasião feliz de ouvirmos e admirarmos o mestre, o vivo modêlo das virtdes Evangelicas.

[…]

Terminaremos este resumo dos muitos beneficios que entre outros, a esta parochia tem feito o ilustre Monsenhor Monteiro, accrescentando que, elle, com o auxilio dos seus parochianos, sempre do melhor modo dispostos á acompanhal-o no seu louvavel empenho pelo bem, e esplendor da egreja, acaba de fazer vir da Europa e chegar em nossa matriz, além da imagem de S. Vicente de Paula, as do S. Coração de Jesus e Maria, perfeições dignas da idéa que representam, de tamanho natural, e a de N. S. das Dôres, perfeitissima e de grande tamanho, as quaes terão benção, logo que se concluam os altares, no proximo mez de agosto, e com a indispensavel solemnidade.

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Ao concluirmos estas linhas lembramo-nos que terminaram hontem as novenas da excelsa Padroeira Senora Sant’Anna havendo sempre o mesmo gosto e fervor, e o zeloso parocho e sua freguesia fizeram hoje a festa, que esteve solemne como sempre.

Cantou a missa o rvd. dr. Antero, auxiliou-o o padre Agostinho.

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Taes são, em ligeiros traços, os grandes e maravilhosos beneficios que nos teem sobrevindo da parochial administração do ilustre Monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, a quem devemos eterno e profundo agradecimento, e por cujo respeitavel intermedio filial e obedientemente beijamos a augusta mão de s. exc. rvdma. o sr. d. Joaquim, ilustre e venerando bispo, que se dignou mandar para esta freguezia o preclaro ministro que sabe ser verdadeiro amigo do povo e perfeito distribuidor das graças divinas.

Iguatú, 29 de julho de 1888

[…]”

Os informes tratam de um período no qual a Igreja de Senhora Sant’Ana tem como guia o Monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, nome que teve uma curta passagem por Iguatu, mas que aparenta, por meio das palavras de Barros, possuir prestígio. Seu nome aparece em diversas edições dos jornais estaduais, dentre as quais pinçamos aquelas que tratam da sua estadia na cidade de Iguatu onde se destaca o ano de 1888. Para tal, convido o leitor a continuar estas análises comigo na próxima quinzena.

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