Aos 68 anos, o aposentado Roseli Alves da Silva concluiu o ensino médio. Agora ele se prepara para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. A festa de formatura que aconteceu no Sesc, recentemente, teve direito a beca, capelo, jabour, faixa, diploma, poses e muitos registros fotográficos ao lado de familiares, professores e colegas. A solenidade reuniu além dos concludentes, familiares e convidados. Roseli concluiu essa etapa através do programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA, da rede de escolas Educar Sesc.
Roseli Silva, que é cego, passou a se dedicar aos estudos há oitos anos. Aluno dedicado e aplicado, nesse curto espaço de tempo aprendeu a ler e escrever em Braille (um sistema de escrita e leitura tátil para as pessoas cegas). O momento vai ficar marcado principalmente na vida dos filhos, que desde sempre tiveram no pai um exemplo de superação e principal inspiração. “Ontem, (sábado, 12) foi a formatura de papai, ensino médio concluído e já está estudando pro ENEM. Sou ‘pabo’ com muita coisa e com muita gente, mas desse aqui eu sou fã! Sou fã pela força e coragem de cuidar desses dois meninos trabalhosos: quando mamãe morreu, eu tinha 12 anos, meu irmão 10, e ele cuidou de nós com muita dedicação e amor. Sou fã pela capacidade de ser pai e amigo, pra todas as horas e em muitas lutas que enfrentamos. Sou fã pelo exemplo de pessoa e pela persistência nos estudos, que me falta às vezes e vejo muito nele essa força de vontade. Sou fã pela sabedoria, que eu tento seguir e usar pelo menos um terço de um quarto. Sou fã pela capacidade de ‘encher o saco’, é o melhor produtor de mudas que já conheci e enche mil saquinhos de mudas num dia”, escreveu nas redes sociais Dauyzio Silva, filho mais velho do seu Roseli.
Perda da visão
Por conta de um glaucoma, Roseli começou a perder a visão entre os 18, 20 anos. Mas para o aposentado, a cegueira nunca foi problema em sua vida. Ele aceitou o problema de saúde, mantendo sempre sua autonomia, mesmo com as limitações impostas pela doença. “Eu quando tinha 50% de visão, era mais retraído. Depois que perdi a visão total, parece que passei a enxergar melhor. Se eu tivesse ficado com 20%, 30% da minha visão, eu não tinha alcançado o que consegui até aqui. Eu me casei, não tive dificuldade de arranjar namorada. Pra mim clareou. Quando tinha pouca visão, eu sentia mais dificuldade. Eu ainda muito jovem, achei muito difícil a situação. Depois que perdi 100%, eu consegui algumas coisas que se tivesse a visão talvez não tinha conseguido”, contou para nossa reportagem, afirmando ainda que mesmo cego trabalhou na construção civil, na agricultura, com produção de mudas ornamentais e frutíferas. “Eu enxertava, trabalhava sozinho, tinha uma horta. O serviço braçal, fazia tudo isso com muita facilidade. Eu me casei, tenho meus dois filhos. Trabalhadores, estudiosos, pessoas boas. Perdi minha esposa, mas continuei cuidando dos meus filhos, trabalhando para sustentar eles, levando pra escola. Eu me sinto vitorioso”, disse.
Planos
Depois dos 60 anos, Roseli despertou para os estudos. Antes mesmo ainda criança e adolescente disse que não frequentava escola, morador do sítio Tinguijado, zona rural de Cariús, porque trabalhava na roça para ajudar os pais. “Meu filho Dauyzio sempre me dizia que eu deveria estudar, mas eu não dava muita atenção. Foi aí que as professoras Carla e Zulene me incentivaram e segui a orientação delas. Através disso passei a andar só. Ganhei mais independência. Terminei o ensino fundamental, no período da pandemia. Fui enfrentar o ensino médio, concluí e penso em continuar. Eu tive muita facilidade também em aprender o Braille, poucos dias depois já estava escrevendo. Quando eu comecei a descobrir a escrita, a leitura eu passei a escrever tudo que vinha a minha mente. Se tivesse quem me ensinasse direto pra mim, não tinha nem feriado durante o período escolar”, brinca.
Agora estudando para o ENEM, pensa em seguir em frente. “Se tivesse a visão, iria enfrentar um curso de Agronomia. Mas, como não tenho visão, vou escolher outra área, campo social. Eu trabalhei muito nessa parte social, o voluntariado. Acredito que o voluntariado é muito importante, é ação rápida, faz bem às pessoas de modo em geral”, complementou seu Roseli.
Independente
“A gente não percebia o papai que era cego. Ele brincava com a gente. Andava de perna de pau, jogava bola com a gente. Colocava a bola dentro de uma sacola e jogava com a gente. Tinha muita gente que não acreditava que ele era cego. Depois que ele aprendeu com as professoras Zulene e Carla a usar bengala, foi que ele se desenvolveu mesmo. Saiu de casa literalmente, passou a ter mais autonomia. Mudou mais a vida dele, deu liberdade. Infelizmente, a gente não tem acessibilidade necessária e desejada em nossos espaços. Mas, ele é independente”, ressaltou o filho Dauyzio Silva.
“As duas professoras mudaram completamente nossas vidas. Somos muito gratos a elas. Ele iniciou os estudos aqui mesmo na escola do bairro, que recebeu uma grande ajuda. Assim também no ensino médio. Agora está se preparando para o ENEM”, complementou Dauyzio agradecendo o apoio e parceria com o pai.
A deficiência visual não o impediu Roseli de seguir em frente. O aposentado explicou que pretende voltar às salas de aula agora como estudante do curso de nível superior.
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