Os espíritos tacanhos precisam de despotismo para o jogo de seus nervos, como as grandes almas têm sede de igualdade para a ação de seu coração.
BALZAC (1799-1850)
Escrevo esta coluna no Dia Internacional da Democracia (15 de setembro). O Brasil, depois de quatro anos sob um regime de fisionomia e práticas assumidamente fascistóides, e há pouco menos de oito meses da mais repugnante tentativa de um golpe de Estado, parece voltar definitivamente para a condição de país democrático. A provar isso, felizmente, segundo relatório produzido pelo Instituto V-Dem, entidade sueca dedicada a analisar a realidade política mundial em termos democráticos, o Brasil, desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, volta a figurar entre os países em nível democrático satisfatório, com nítida reversão do quadro de ameaças a que foi submetido durante o governo do inominável.
O resultado, não bastasse configurar uma realidade política desejável, em que as instituições funcionam de conformidade com o que lhes impõe a Constituição Federal, tem ainda maior significado quando os números do levantamento, na perspectiva global, apontam para um crescimento de regimes autoritários nos últimos quarenta anos. A estimativa, segundo o instituto, é de que pouco mais de 70% da população mundial sejam governados por regimes autocráticos, muitos dos quais vivendo realidades muito próximas do que se pode definir como modelos neofascistas ou com eles identificados.
O relatório evidencia que o Brasil caminha para a plena reconstrução democrática, mesmo considerando-se a existência de organizações de extrema direita empenhadas em impedir esses avanços em práticas cotidianas que se estendem do simples desejo reacionário (volta dos militares ao governo), por exemplo, a comportamentos do dia a dia marcados pela intolerância, racismo, aversão aos pobres, visão elitista de mundo, desrespeito aos valores republicanos e sanha ideológica contra entidades, movimentos populares e partidos convencionalmente considerados progressistas – PT, PSOL e afins.
A celebração do Dia Internacional da Democracia, ressalte-se, ocorre entre nós, brasileiros, num momento particularmente importante da pauta política e institucional nacional, leve-se em conta os julgamentos, iniciados ontem pelo STF, dos envolvidos com os atos de 8/1, cujas sentenças até aqui conhecidas giram em torno dos 17 anos em regime fechado.
O momento, pois, constitui uma demonstração de que inimigos da democracia e destruidores da coisa pública deparam com um desfecho para eles surpreendente. É indispensável, no entanto, que esses processos e as investigações em andamento não se limitem aos “bagres”, aos desordeiros e desatinados autointitulados “patriotas”, os que batem continência para pneus e constituem, sob o domínio da insensatez, provas contra si mesmos. Urge que se chegue – e as provas são incontrastáveis – aos peixes grandes, tambaquis, dourados e poraquês que assoberbam as águas verdes dos quartéis.
Falar nisso, qual o paradeiro dos esbravejadores de há pouco, agora convertidos ao mais acovardado silêncio? Por onde andam Augusto Heleno, Luis Fernando Ramos, Paulo Sérgio, anfitrião de hackers com fito golpista? Onde o general Braga Neto, Eduardo Pazuello, Bento Albuquerque, José Roberto Bueno Jr., onde?
Como escreveu em coluna notável o jornalista Ruy Castro, “tão valentes no poder, hoje trêmulos e mudos. Mas terão de criar coragem e se explicar”.
No dia que lhe é internacionalmente dedicado, viva a democracia brasileira!
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