Há certos dias em que não queremos nada que não seja estarmos imersos em nossa própria solidão necessária. O ser humano cansa. O convívio com as pessoas tornou-se uma das tarefas que mais exaure um indivíduo. Aliás, quem nunca ouviu ou até mesmo repetiu a velha máxima do senso comum: ‘‘É melhor lidar com bicho [animal] do que com gente’’?
Pois bem. Estava tudo perfeito, até então. A música no volume ideal, a cerveja gelada, com seu clássico véu de noiva, cigarros postos sobre a mesa, esperando o momento de serem tragados, quando o maldito celular, essa maravilha tecnológica, que agora é a causa do meu infortúnio, avisa-me que uma pessoa quer me falar. Sem querer, atendi ao tentar me desvencilhar do chato da vez. O meu dedo me traiu quando, ao tentar minimizar, maximizei a indesejada conversa. Droga!
Não era um amigo, mas um conhecido. Se amigo fosse, estaria pronto para ouvi-lo em sua lamúria ou ventura da vez. Afinal, uma amizade verdadeira requer bilateralidade (uma mão lava a outra, não é mesmo?). Devemos sempre escutar os nossos poucos verdadeiros amigos, bem como aconselhá-los, se for o caso. Enfim, amigos são amigos, e chatos são chatos. No caso aqui, como já mencionei, tratava-se de um chato fazendo o que sabe fazer de melhor: atrapalhar o dia (nesse caso, a noite) dos outros. Essa é a função principal dessa gente na terra, tenho certeza. Talvez sejam eles remanescentes da longínqua praga do Egito. Se fosse para escolher, preferiria gafanhotos a chatos.
Pois bem. Já que bom senso não é algo que se possa esperar de um intrujão desta estirpe, resolvi ouvir logo toda a baboseira, a fim de encerrar logo aquele colóquio medonho e infrutífero, carente de qualquer substância que se valha um pingo de atenção. Enquanto ouvia aos seus áudios, reparei que sua voz era de um melodrama tão piegas, que me causou certa ojeriza tal, que quase me deu vontade de vomitar. Será que alguém já morreu de tédio por escutar histórias pessoais em seu nível mais vergonhoso? Se sim, eu estava correndo risco de morte.
Eu, por ser pessimista – dizem -, não sou nada bom para dar conselhos. Vejo a vida sem filtros. Não vejo beleza onde ninguém também não vê… a diferença é que não maquio a realidade da vida, já a maioria, a massa, sim. Daí o motivo de existir tanta autoajuda em péssimos livros, palestras e seus detestáveis coaches. As pessoas, em geral, adoram aquele afago, aquele elogio, aquele acalanto… Elas querem se sentir especiais…. Mas não passam de crianças crescidas esperando que o mundo lhes sirva, como uma ama de leite, o seio da resolução dos seus patéticos problemas.
O drama do meu inconveniente conhecido era de uma chatice inalterável. Sempre o mais do mesmo: gente que quer conselhos, escuta-os, não os seguem, se perdem por tomarem as decisões erradas, e agora culpam o mundo, com ares de injustiçados, pela vida está sendo ‘’dura demais’’. Façam-me um favor: não ousem perturbar o meu santo repouso notívago, embalado pela geladíssima cerveja, boa música, livros e cigarros, para ouvir ladainhas dessa natureza!
O meu conselho? Ei-lo: ‘‘Cara, tome um bom porre, desses que nos deixam de cama no outro dia, o dia todo, crie um pouco de vergonha na cara, você já tem idade para isso… aliás, já está passando da idade, e procure não ligar para ninguém. Resolva seus ‘’buchos’’ por si só!
O silêncio se fez. Voltei a beber em paz…
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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