1857: Câmara municipal aprova os artigos de postura da Villa da Telha

23/12/2023

Naiara Leonardo Araújo (Doutoranda em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina/ bolsista CAPES. Pesquisas nas áreas de interesse: cinema e história; cinema e educação; história de Iguatu)

No ano de 1857 Iguatu ainda não era conhecida por esse nome, mas por Villa da Telha. Sua alteração para a comarca e cidade de Iguatu vai se dar somente no ano de 1883, através do “projecto n. 2”, conforme consta no jornal Gazeta do Norte, de 10 de novembro de 1883, ed. 245.

Tampouco seus limites geográficos se encontravam já fixados. Ao longo dessa segunda metade do século XIX, encontram-se diversos “projectos” levados para a Assembléia Legislativa Provincial do Ceará (alterado para Assembléia Legislativa do Ceará, com a Proclamação da República) anexando ou desmembrando determinados territórios. É o caso da lei nº 81, de 30 de agosto de 1883, que desmembrou os sítios “Lagôa, de Manoel Pereira de Carvalho, e Gameleira, de Esequiel Bernardes da Cunha”, de acordo com texto publicado no jornal A Republica, de 2 de setembro de 1883, ed. 200.

Também não é possível precisar a população estimada no ano de 1857. O censo mais próximo dessa data que se tem conhecimento até o momento data de 1892, no qual Iguatu possuía uma população de 11.933 habitantes, assim consta na matéria do jornal A Republica, de 6 de agosto de 1892, ed. 93.

Fato é que, diante de alguns milhares de habitantes, a cidade começou a se preocupar com a convivência e estrutura urbana. Data de 27 de agosto de 1855 a resolução nº 712, em que aprova os artigos de postura da comarca municipal da Villa da Telha. Contendo apenas 6 artigos, pode-se destacar os seguintes interesses presentes naquele ano: 1) os proprietários de casas situadas no centro urbano eram obrigados a extinguir as formigas de roça; 2) os proprietários de casas no entorno do largo, que foi denominado de Largo D’Aurora por meio desta resolução, ficavam obrigados a plantar árvores no seu entorno; 3) além da previsão de multas para quem descumprisse qualquer desses artigos (incluindo aí os escravos, conforme tratei numa matéria publicada no mês de novembro).

Como se pode observar, plantar árvores frondosas, que “aformoseem” a cidade, já foi tratado como proposta urbanística para a cidade de Iguatu. Tal intenção se amplia quando da reformulação dos artigos de postura, em 1857, ao acrescentar a proibição, sujeita a multa caso descumprido, de deteriorar ou derrubar qualquer árvore frondosa. Para encerrar minha coluna neste ano, deixo o leitor com a resolução nº 832, de 29 de setembro de 1857 (presente no Jornal Pedro II, de 4 de novembro de 1857, ed. 1746), na íntegra, e a reflexão de que talvez alguns desses artigos ainda nos fossem muito úteis nos dias atuais.

“GOVERNO DA PROVINCIA.

RESOLUÇÃO N. 832 – DE 29 DE SETEMBRO DE 1857.

N.º 39.

Approvando artigos de postura da camara municipal da villa da Telha.

O Dr. João Silveira de Sousa, presidente da provincia do Ceará. Faço saber a todos os seus habitantes, que a assembléa legislativa provincial sobre proposta da camara municipal da villa da Telha decretou o seguinte:

Art. 1º Fica prohibido o recolher de vacas nos quintaes desta villa; os contraventores soffrerão a multa de 4$ rs. ou quatro dias de prisão, e na reincidencia o duplo.

Art. 2º Todo aquelle que falsificar generos, de maneira que possa resultar damno á saude publica, soffrerá a multa de 8$000 rs. ou oito dias de prisão, e serão os generos lançados fóra.

Art. 3º Aquelles que falsificarem os generos expostos á venda para o fim de pesarem mais do que pesarião, que não tiverem balanças com braços de ferro, e medidas limpas e aceiadas, soffrerão a multa de seis mil rs. ou seis dias de prisão e na reincidencia o duplo. Art. 4º Fica marcado o praso de um anno para a edificação de casas nos terrenos que fôrem aforados, o qual praso será contado da data do aforamento.

Art. 5º O foreiro fica obrigado a apresentar ao fiscal um bilhete do administrador do patrimonio com declaração do dia, mez, e anno em que aforou, devendo o bilhete ser passado no dia do aforamento.

Art. 6º Ficão prohibidas as pescarias nas lagôas Bastiana, Barro-alto, e Aguatú, do mez d’agosto em diante, sendo permittido nos dias de terças e sextas feiras de cada semana, e livremente no inverno; os contraventores soffrerão a multa de dous mil rs. ou dous dias de prisão, e na reincidencia o duplo.

Art. 7º Todos os proprietarios deste municipio serão obrigados no praso de um anno, a contar da publicação das presentes posturas, a plantar arvores ao redor dos seos açudes, ou lagôas, que tiverem em suas terras devendo serem daquelles que produzem sombra, e de mais prompio crescimento, como cajueiros, genipapeiros, cajaseiras; os contraventores soffrerão a multa de dez mil rs. ou dez dias de prisão, e na reincidencia o duplo. Art. 8º O fiscal mandará plantar as referidas arvores nas margens das lagôas Telha e Bastiana, contiguas á esta villa, á custa da camara.

Art. 9º As pessôas que deteriorarem as arvores, de que falla o artigo 7º soffrerão a multa de 4$000 rs. ou quatro dias de prisão; se o damno fôr causado por filho familia, famulo, ou escravo, estarão seos pais, amos, e senhores, sujeitos á multa.

Art. 10º He prohibido aos proprietarios deste municipio derribar, ou consentir derribar em suas terras arvores frondosas, salvo o caso de reconhecida necessidade, sob a pena especificada no artigo 9º

Art. 11º O fiscal será obrigado a assistir á matança do gado para o consummo publico, observando o aceio e limpeza, examinando se a rez morta está ou não em estado de não ser vendida, ficando sujeito a multa de 1$000 por cada omissão.

Art. 12º Aquelle que matar qualquer rez para o consummo publico o fará no matadouro designado pela camara e sendo para o uzo particular o fará distante da villa; o contraventor soffrerá a multa de 2$000, ou dous dias de prisão; e na reincidencia o duplo.

Art. 13º O fiscal fica autorisado a mandar levantar á custa da camara um curral com a dimensão de 50 pés quadrados, o qual terá um portão com fechadura.

Art. 14º Fica creado um zelador para o mesmo com o ordenado de 6$000 annuaes.

Art. 15º. São applicaveis ás pessôas que matarem gado para consummo publico, e ao zelador, as disposições dos artigod 4º, 5º, 7º e 9º do regulamento provincial de 1º de janeiro de 1844.

Art. 16. Revogão-se as disposições em contrario.

Mando por tanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da presente Resolução pertencer, qu a cumprão e fação cumprir tão inteiramente como nella se contem O secretario da provincia a faça imprimir, publicar e correr. Palacio do governo do Ceará aos 29 de setembro de 1857, trigesimo sexto da Independencia e do Imperio.

(L.S.)     João Silveira de Sousa.”

 

* Mantida a grafia original.

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