Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido. O fato é o seguinte: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Sêneca – Sobre a Brevidade da Vida.
No momento em que escrevo esta periódica coluna, faz um ‘‘calor abafado’’, como dizem os mais velhos. Faz, também, um agradável silêncio. E é precisamente aí que sou estimulado, juntamente por conta da leitura do último livro lido, a refletir sobre a vida. Sobre a brevidade da vida, melhor dizendo. Qual livro? ‘‘O Deserto dos Tártaros’’, do italiano Dino Buzzati.
A história se passa em um reino sem nome e acompanha a vida de um jovem oficial chamado Giovanni Drogo, que é destacado para servir em uma fortaleza localizada na fronteira do reino. Essa fortaleza está voltada para o Deserto dos Tártaros, uma terra distante e misteriosa habitada por um povo lendário que, ao longo do tempo, se tornou uma ameaça temida.
Drogo chega à fortaleza cheio de entusiasmo, esperando por aventuras emocionantes e grandes feitos heroicos. No entanto, ao longo dos anos, ele se vê preso em uma rotina monótona e percebe que o ataque dos tártaros, que ele tanto aguarda, nunca ocorre. A fortaleza, aparentemente impenetrável, parece existir em um estado constante de preparação para um evento que nunca chega.
O romance explora temas como a passagem do tempo, a ilusão da espera, a busca por significado na vida e a natureza efêmera das experiências humanas. Buzzati cria uma narrativa simbólica que sugere que a vida de Drogo e a espera pela ameaça dos tártaros podem representar uma metáfora para a própria condição humana, marcada pela busca constante por algo que muitas vezes permanece inatingível.
“O Deserto dos Tártaros” é, na minha opinião, um livro de profundidade filosófica e reflexões sobre a natureza da existência humana. Um convite à reflexão existencialista em sua essência. Não é um assunto inédito, pois Sêneca, Sartre e tantos outros já abordaram esta importante temática, ainda que com distintas constatações, percepções. Enfim, o calor continua, o silêncio, também. Despeço-me sugerindo a leitura do livro aqui mencionado. Abraço, preclaro leitor!
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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