Numa manhã chuvosa e melancólica de fevereiro do ano de 1964, um pouco antes do golpe de Estado no Brasil, chegavam ao mosteiro dos capuchinhos, em Guaramiranga – CE, 14 novos noviços, dentre eles o frei Francisco Antônio de Sobral.
Pelo timbre da sua voz, logo o frei Sobral se destacou nos cânticos gregorianos; era provido de privilegiado senso de humor, amigo de todos, contador de histórias.
É muito provável que o frei Sobral tenha ido parar ali atraído pela abrangência do debate intelectual e pela condição privilegiada que a vida monástica proporcionava, à época, aos jovens sertanejos de origem mais humilde. Os capuchinhos, de fato, gozavam de grande prestígio social e político!
Em 1965, o então presidente da República Marechal Castelo Branco, natural de Fortaleza, no auge da sua cruzada pela supressão de direitos civis, políticos e de pensamentos, visitou o mosteiro de Messejana e, lógico, os noviços de Guaramiranga foram convidados.
No dia marcada, lá estava Frei Sobral, de cabelo cortado em cuia, hábito engomado e barba aparada.
Na hora da foto oficial, na contramão da fanfarra dos outros noviços, frei Sobral aparece sisudo e sombrio, bem à esquerda, sem compreender como “uma profissão de fé que se ocupa dos pobres reverencia um governo que retira dos pobres o direito ao esperneio, à reivindicação e à cidadania”.
Pouco tempo depois, Frei Sobral, percebendo que não tinha vocação à vida religiosa, decide, então, abandonar o mosteiro e assim o faz, reassumindo a sua antiga graça, Belchior (fazia questão que seu nome fosse pronunciado com um acento circunflexo no o, ou seja, Belchiôr).
Em 1997, ele reencontra, em Fortaleza, o seu melhor amigo dos tempos do mosteiro, o frei Hermínio, para lhe comunicar que estava traduzindo, em uma linguagem popular, para o fácil entendimento de todos, a Divina Comédia, do escritor italiano Dante Alighieri.
Na conversa, frei Hermínio lembra, saudosamente, de um verso que o frei Sobral cantarolava no mosteiro como forma de se rebelar contra o golpe de Estado daquela época e ambos cantam juntos:
“Eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, como um galo quando havia, quando havia galos, noites e quintais; mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo o mal que a força sempre faz. Não sou feliz, mas não sou mudo; hoje eu canto muito mais”.
Essa é a história da composição da música Galos, Noite e Quintais, de Belchior.
A canção foi gravada pelo próprio artista no ano de 1977, no álbum Coração Selvagem.
E aí, você sabia o que há por trás de Galos, Noites e Quintais?
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