Se consultarmos o bom e velho Google, encontraremos a seguinte definição para a palavra ‘‘porão’’: parte de uma casa ou edifício entre o primeiro piso e o solo, onde geralmente se guardam coisas velhas ou sujas. A vida de um homem, amigo leitor, é feita de momentos que acabaram, por uma razão ou outra, indo parar no porão da alma. Lá, trancafiamos os cadáveres das ex-mulheres, ex-namoradas e até mesmo os corpos das ex-ficantes que mais nos marcaram – é uma espécie de híbrido positivo e negativo.
O porão da alma, que tanto evitamos, mas sempre lá estamos, é o lugar onde afaga e tortura o nosso ser. Sempre levo bebidas e cigarros quando vou para este estranho hades interno. Alguns até mantêm uma certa ordem, organização nos seus porões… mas o meu é sempre um caos. Lá encontro as almas que torturei e que me torturaram… alias, ainda me torturam. É um lugar frio, escuro e barulhento.
Quando uma mulher encontrar o seu homem sentado sozinho, bebendo e olhando para o nada absoluto, não o atrapalhe, pelo amor de Deus, pois ele certamente está no singular cômodo maldito. Essa alma está, neste instante, revivendo as dores de um passado que nunca se vai de um todo. Ficam sempre as lembranças, as cicatrizes e os parcos momentos de felicidades. A saudade o abraça com força nesse momento. Brigar com ele seria tarefa inútil. Eu sei do que estou falando, mulher que lê estas linhas. Aliás, todos os homens dados à boemia sabem que o porão é real!
É o lugar onde despejamos as nossas angústias. Lá também guardamos as raras boas lembranças das mulheres das nossas vidas (sim, é possível amar a todas, cada uma de um modo singular, único). Se mexermos direito, por entre as poeiras e traças, encontraremos o sentimento ‘‘amor’’ fenecendo. Esmagado pelas ‘‘caixas da indiferença’’, o pobre respira com dificuldade. Mas um homem não chora (em público)! Eis mais um motivo para a existência do porão da alma: o pranto como forma de catarse.
Isso lembrou-me de um episódio ocorrido há alguns anos. Um amigo acabara de se separar. E todos sabemos o quão desagradável é esse período, principalmente para o deixado, o que fora posto de lado. Nesse momento, amigo leitor, onde o luto se faz na vida do indivíduo, quando o mundo se torna apenas cinzas e ruína, devemos nos consolidar com similar alma atormentada! É preciso ouvir o nosso amigo. Um porre também se faz necessário, não esqueça de se embebedarem quando passares por semelhante experiência (isso ajuda a fugir, ainda que momentaneamente, da dor).
O meu amigo, caro leitor, naquele instante, estava colocando mais uma mulher no seu porão da alma. Quantas mulheres cabem no porão de um homem? É indefinido. Elas se misturam e se fundem na imaginação de um homem que frequenta assiduamente esse inferno mental. Quem reside no seu porão, amigo leitor? Visite-o, mas, um conselho: não se demore demasiadamente em tal ambiente! Pode ser um caminho sem volta!
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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