Uma resposta para o jornalista Paulo Francis e para todos nós!

23/03/2024

Kleyton Bandeira Cantor, compositor e pesquisador cultural

Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural

O ano era 1989 e Caetano estava em Roma, na Itália.

Ao observar os carros todos empoeirados nas ruas, ele questiona o motivo a um amigo que, prontamente, explica-lhe que se trata de um fenômeno climático que ocorre quando a areia do Saara rompe fronteiras e chega a cidades de outros continentes, como é o caso de Roma.

Caetano, cidadão de todos os lugares, decide fazer um elogio à beleza de ser filho da terra, da Bahia, do Brasil, do mundo, e, então, compõe a música Reconvexo.

A canção nos proporciona uma análise dicotômica entre o “eu” – que é uma série de referências baianas, brasileiras e universais – e o “você”, o careta, “você não me pega; você nem chega a me ver. Meu som te cega, careta. Quem é você?”. Assim, a música, volitando como um espírito livre e empossado de si, é construída pelos sons, pelas imagens, pelas referências, em contraposição àquilo que o “careta” não consegue perceber.

A canção, brasileiramente linda – parafraseando Belchior -, faz diversas referências baianas (a novena de dona Canô, a elegância sutil de Bobô, o Olodum balançando o Pelô), brasileiras (o mendigo Joãozinho/Beija Flor – em referência ao célebre enredo “ratos e urubus – larguem minha fantasia” de Joãozinho Trinta na Beija-Flor de 1989, a destemida Iara da Amazônia), e universais (A risada de Andy Warhol, o suingue do Francês da Guiana Henri Salvador, o americano negro com brinco de ouro na orelha).

Não eram raras as tretas entre Caetano Veloso e Paulo Francis, que vivia em Nova Iorque e, de lá, não perdia a oportunidade de, sempre revestido de um espírito arrogante e prepotente, desrespeitar a condição essencial de ser brasileiro.

Caetano reafirma a todo tempo o que está por trás da palavra Recôncavo que, na canção, faz referência à região da Bahia no entorno da Baía de Todos os Santos.

Utilizando de um neologismo sensacional, Caetano afirma que o “careta” sequer pode ser considerado Reconvexo, ou seja, estar do outro lado, ratificando, assim, que ele está distante de ter propriedade para falar do que não conhece e que acompanha apenas pelo noticiário.

Ademais, a música faz uma homenagem a “Gita” de Raul Seixas (que viria a falecer naquele ano) e a “Fruta Gogóia”, canção folclórica gravada por Gal Costa no famoso disco “Fa-Tal: Gal a todo vapor”. A estrutura do “eu sou, eu sou, eu sou” nos conduz a esse raciocínio.

Essa é a história que há por trás da canção Reconvexo, de Caetano de Veloso.

Bom sábado e até a próxima!

 

Kleyton Bandeira Cantor, compositor e pesquisador cultural

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