Passados alguns imprecisos instantes, já não mais sabia dizer quantas horas se passaram desde a sua chegada à minha morada. Estava agora bêbado e ainda mais confuso. Ela também me parecia igualmente torpe, pelo álcool e pela situação. Nós éramos, agora, dois seres à deriva no mar cruel que é a vida.
Ao ir ao banheiro, notei peças íntimas espalhadas pela casa. Um sutiã sobre os livros e, mais adiante, calcinha e meias num recanto da cozinha, já próximo à porta do banheiro. Pontas de cigarros se faziam em todo lugar. Também havia cerveja derramada e dois copos quebrados. Mais parecia uma arena de guerra o meu covil.
Foi quando percebi que fui acometido pela famigerada amnésia alcóolica, dessas que, no máximo, deixam apenas lapsos vagos e rápidos, que vão e vem numa velocidade assustadora e perturbadora. Não sei como fomos parar na cama. Também não sei ao certo se transamos. Havia apenas uma mulher nua na minha alcova; o que não significa necessariamente sexo por certo. Talvez tivéssemos ambos, apagados de um todo antes da consumação da cópula.
Ao voltar do banheiro, ela estava acordada. Parecia serena. Estranhei a sua aparência pacífica e calma, como se nela não houvesse qualquer tipo de ressaca: alcoólica ou moral. Para minha surpresa, não fez sequer menção de querer conversar. Sorriu, fez sinal com a mão para que eu deitasse. Deitei. Ela repousou a cabeça no meu peito e, passados alguns segundos, voltou a dormir ali mesmo.
— Sabe o que eu quero? – disse ela ao acordar e logo se arrumar depressa
— Voltar a viver, meu caro ex-colega! – sentenciou
— Voltarei próxima semana, e não me diga que não! – falou com voz um tanto imperativa.
Eu nada disse. Acendi um cigarro, peguei uma cerveja na geladeira e assisti a ela terminar de se aprontar.
Quem sou eu para impedir uma mulher de ‘‘voltar a viver’’? Que assim seja.
— Amor, coloca essa música aqui pra tocar! – ela apontou a música com o dedo…
‘‘Quero ir na fonte do teu ser
E banhar-me na tua pureza
Guardar em pote gotas de felicidade
Matar saudade que ainda existe em mim
Afagar teus cabelos molhados
Pelo orvalho que a natureza rega
Com a sutileza que lhe fez à perfeição
Deixando a certeza de amor no coração
Deixa eu te amar
Faz de conta que sou o primeiro
Na beleza desse teu olhar
Eu quero estar o tempo inteiro…’’
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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