Era uma noite fria e chuvosa na pequena aldeia de Sant’Ana, e a única fonte de calor e luz era a velha taberna no centro da praça. As chamas da lareira crepitavam alegremente, lançando sombras dançantes nas paredes de pedra, enquanto o som dos copos tilintando e das vozes murmurantes preenchia o ar.
No canto mais afastado da taberna, sentado sozinho a uma mesa de madeira gasta pelo tempo, estava o velho Joaquim. Seu rosto enrugado e suas mãos trêmulas contavam histórias de décadas de trabalho árduo e de muitos invernos passados. Ele era um homem de poucas palavras, mas sua presença era uma constante no estabelecimento, uma espécie de guardião silencioso de histórias esquecidas.
Enquanto Joaquim tomava pequenos goles de seu vinho tinto, a porta da taberna se abriu com um estrondo, trazendo uma rajada de vento gelado e um silêncio repentino. Todos os olhares se voltaram para a entrada, onde ninguém parecia estar. A porta, no entanto, ficou aberta, balançando lentamente de um lado para o outro.
Os clientes se entreolharam, murmurando hipóteses sobre o que poderia ter causado tal fenômeno, mas logo voltaram às suas conversas e bebidas, exceto Joaquim. Ele continuou olhando fixamente para a porta, seus olhos cansados agora alertas e penetrantes.
De repente, uma figura pálida e translúcida começou a se formar na entrada. Era um homem alto, vestindo roupas do século passado: um casaco comprido, uma cartola e um lenço no pescoço. Seus olhos vazios pareciam olhar diretamente para Joaquim, que não demonstrou medo, apenas curiosidade.
O fantasma avançou lentamente pela taberna, seus pés não fazendo nenhum som ao tocar o chão. Os outros clientes, absortos em suas próprias vidas, não perceberam a presença espectral, mas Joaquim sabia que aquele espírito estava lá por ele.
“Joaquim…”, a voz do fantasma era um sussurro que parecia vir de todos os lados ao mesmo tempo. “Lembra-se de mim?”
O velho franziu a testa, tentando buscar na memória uma conexão com aquele espectro. “Deveria?”, respondeu ele, sua voz rouca e baixa.
“Sou Álvaro, o homem que você traiu há muitos anos. Fui seu parceiro de negócios, e por sua ganância, perdi tudo, inclusive minha vida.”
Joaquim fechou os olhos por um momento, lembrando-se vagamente de Álvaro, um nome enterrado nas profundezas de sua consciência culpada. “Álvaro…”, murmurou ele. “Eu… eu não sabia que minhas ações o levariam a isso.”
“Mas levaram”, disse o fantasma, sua voz ganhando uma intensidade amarga. “Vim buscar justiça, ou ao menos um pedido de perdão.”
O velho Joaquim abaixou a cabeça, lágrimas surgindo em seus olhos nublados. “Sinto muito, Álvaro. Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo diferente. Vivi todos esses anos com o peso dessa culpa, tentando esquecer, mas nunca consegui.”
O fantasma de Álvaro observou o velho por um momento que pareceu durar uma eternidade. Então, lentamente, seu semblante começou a suavizar. “Seu arrependimento é verdadeiro, Joaquim. Isso é mais do que esperei encontrar. Posso finalmente descansar em paz.”
Com essas palavras, o espírito começou a desaparecer, sua figura esmaecendo até se dissolver completamente no ar. A taberna voltou ao seu estado normal, e a porta se fechou com um suave clique.
Joaquim ficou sentado em silêncio, sentindo um alívio que não experimentava há décadas. A culpa que carregava havia sido, de alguma forma, aliviada. Ele levantou seu copo e murmurou uma última prece por Álvaro, prometendo a si mesmo viver seus dias restantes com mais bondade e justiça.
E assim, naquela noite chuvosa, a velha taberna de Sant’Ana foi testemunha de um encontro sobrenatural e de uma alma que finalmente encontrou redenção.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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