Éramos virgens. O sexo parecia algo temeroso. Não por temer Deus ou a religião, mas porque sexo era só um nome. O que existia era o que chamávamos de brincadeira. Ela tinha hora para começar: às nove horas. Era quando a velha dormia. A moça morava com a velha. Às vezes o vento fazia a velha dormir mais cedo; tanto melhor para nós! Dava tempo de explorar mais os meandros do corpo, do toque, das carícias…
Tempo do namoro de cadeiras cruzadas. A minha ficava à esquerda da dela. Falas ao pé do ouvido, sorrisos fortuitos: mal sabíamos que fazíamos mais amor, sem transar, do que a maioria dos casais. O sexo era, e o é, antes de tudo um jogo psicológico: a fala do outro, o toque do outro, saber o que dizer e onde tocar. Às vezes o tesão vinha da confrontação. A gente se insultava carinhosamente… ela me chamava de nomes que aprendia nos livros. “Energúmeno”, “mentecapto”, etc. Eu a provocava sobre seus medos: “ hoje vou te carcar, sua molenga, sua puritana!”. A gente ria à beça.
Às vezes eu a encoxava no portão de aço. Prendia seus braços… puxava levemente seus cabelos claros… ela se voltava com um olhar em fúria. Doce tirania, diria. Mas tudo começava e terminava na inocência. De vez que ficamos a sós no quarto, ela tirou o vestido. A nudez não foi castigada. Ficamos como o primeiro casal no paraíso, antes da queda; perdidos um no outro, como se houvesse uma quebra do espaço-tempo e que só houvesse ela e eu no mundo.
Nada estava claro no escuro do quarto. E eu, ainda criança na arte do amor, não sabia se rompia de vez por todas nosso único limite, ou se deixava as coisas como eram. Tal qual um viajante do tempo que volta para alterar o passado e tudo dá errado, temia que o ato final estragasse toda a ópera. Na vida não há ensaios, pois o ensaio já é a própria vida, diria um autor que ambos gostávamos. No amor também não há.
Permanecemos calados, ela e eu. Depois rimos de nosso despreparo. Chovia como agora chove, enquanto escrevo. Onde ela estará hoje? Dez anos se passaram. Haverá ainda uma alma inocente num corpo experiente? Ou só restará uma alma em dor?
Nunca mais soube dela. Acendo um cigarro e vejo a chuva. Foi por causa da chuva que me refugiei em sua casa e assim nos conhecemos… a velha trouxe na ocasião um café. E ela sorriu pra mim como se não fôssemos dois desconhecidos. Não éramos. Éramos virgens. Éramos felizes.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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