Fagner devolve Mercedes Sosa à Argentina

05/07/2024

Kleyton Bandeira Cantor, compositor e pesquisador cultural

Kleyton Bandeira
Cantor, compositor e pesquisador cultural

O ano era 1981 e Raimundo Fagner acabara de gravar um disco em espanhol, mas não gostou nada do resultado; não ficou como esperava. Então foi na gravadora e disse que não queria lançar o disco, que precisa de um tempo vivendo na Espanha para aprimorar o idioma e coisa e tal. Lógico que a gravadora não concedeu esse tempo ao artista.

Levando em consideração que o disco já estava pronto e que o Fagner não queria lança-lo no Brasil, então a gravadora toma a seguinte decisão: já que o artista não quer lançar no Brasil, então lançaremos o disco na Espanha. E assim partiu todo mundo para Madrid.

No dia combinado estava tudo pronto: microfones ligados, jornalistas a postos, sala de imprensa lotada e então Thomas Munhoz, presidente da CBS, inicia a apresentação. Tudo certo? Nada disso. Fagner, sendo Fagner, interrompe a apresentação e fala: “não vou lançar esse disco. Não saiu no Brasil e não vai sair aqui. O lançamento está abortado. Vou fazer um LP sim, mas vou começar a gravar agora”.

Junto de seu parceiro Fausto Nilo, juntou-se ao projeto mais uma galera da pesada: Manuel Serrar, o maior ídolo da Espanha que, pela primeira vez, gravaria com outro artista; Camarón de la Isla, o maior mito da música flamenga; o cantor pop Manzanita e Mercedes Sosa, cantora argentina que vivia no exílio em Madrid. La Negra, como era conhecida, gravaria com Fagner a canção “Años (El Tiempo Passa”, do cubano Pablo Milanés.

Raimundo e Mercedes Sosa construíram muito mais do que uma relação profissional, ambos se tornaram grandes amigos, graças à empatia e sensibilidade do cearense que passou a compartilhar seus dias com Mercedes na tentativa de aliviar as dores sofridas por ela devido ao exílio.

“Fui um amigo presente, fiz tudo para amenizar a saudade que ela sentia de seu país. Eu me identifiquei com o seu sofrimento. Era uma grande artista que dedicou a vida e a arte por um ideal político. Essa mulher comoveu a América Latina, comoveu o mundo inteiro”, relembra Fagner.

La Negra, por sua vez, reconhece e agradece o carinho fraternal, até mesmo filial do amigo: “eu não me encontrei com esse homem famoso do Brasil, encontrei com uma pessoa extremamente terna e doce e isso conta muito para nós, artistas e cantores. Fagner é um homem tenaz. Certamente isso justifica tudo que ele conseguiu na Espanha”.

A gravação de Años foi antológica, uma peça rara no cenário musical e político. Mercedes reconhece que cantar com Fagner foi um divisor de águas em sua vida, uma vez que a divulgação do disco num especial da Rede Globo, em 1981, abriu espaço para que ela voltasse a cantar em sua terra natal, a Argentina.

Dessa aventura de Fagner na Espanha, surgiu Traduzir-se, o grande disco da vida de Raimundo Fagner, que, além de Años, traz canções como Fanatismo, Flor do Algodão, Traduzir-se, dentre outras.

É isso aí! A arte é essa célula transformadora que a humanidade tanto precisa pra viver.

Bom final de semana e até a próxima!

 

 

 

 

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